Por Amor se Morre

Próximo à cidade em que nasci, existe um ribeirão cujas águas rasas hoje, mal me cobririam os pés...
No verão era o paraíso, suas margens de areias rosadas, virava uma praia tranqüila. Brinquei muito na sombra da velha ponte de madeira, soltei barquinhos, fiz castelos, cidades, países, viajei...
Até que um dia, alguém fez morada na mesma ponte. O medo instalou-se. O rio ficou vazio. Quem seria este andarilho, desgrenhado, maltrapilho degredado pelo mundo que buscou refugio nas margens do rio??!
Fez sua casa de lona preta, escondeu-se na escuridão... Às vezes quando passávamos pela velha ponte, ouvíamos música. E este pequeno detalhe sonoro foi aos poucos quebrando o medo. Ninguém que toca uma música como aquela pode ter coração ruim. Mas quem seria o ilustre desconhecido das margens do rio??!
E com a mesma vagareza morna daquelas águas, foram surgindo aos poucos flores e uma horta de alfaces... Mas ninguém via o morador da ponte... Apenas a fumaça de um braseiro dava sinal de sua presença. Criou galinhas, patos e angolas. Floriu a margem do seu rio e tocou a sua música nas noites ermas...
Finalmente quebrou-se o gelo! O homem só, mostrou-se pela estrada de areia rosada, pisando seus passos e carregando um bambu sobre os ombros com galinhas presas pelos pés e um balaio de alfaces. . Foi à feira vender sua produção. E assim fez sempre que precisa de alguma coisa. Nunca pediu nada, andava carregando seu fardo em silêncio e dificilmente aceitava carona. Doações, nem pensar! Tinha orgulho, brio em suas faces barbadas. Comprava o seu sustento, tirava água do rio e o peixe que precisava. Foram surgindo histórias sobre ele. Uns diziam que era “louco de guerra”, outros alegavam ser “fugitivo de hospício” – mas era lúcido, tinha raciocínio lógico e só queria a solidão do rio.
Então o padre e comitiva, foram ter com ele – qual a surpresa lhes derrubou o queixo! Ele era músico! Tocava Sax com maestria. Falava inglês e francês, morou na Europa e tocou sua música numa Sinfônica na Áustria!
E por amor e pelo amor desiludido, abandonou a luz dos palcos os aplausos e saiu pelo mundo, marcando passos pelas estradas. Achou um rio e seu silêncio e sob a ponte o seu abrigo – ali fincou sua morada e tocou sua música de dor nas noites sob o luar...
Por amor fazemos coisas que até Deus duvida e por amor morremos em silêncio nas margens de um pequeno rio...
Luciah Lopez
Enviado por Luciah Lopez em 16/12/2007
Reeditado em 18/08/2009
Código do texto: T781067
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