O MAIOR DILEMA PARA UMA CEGA

A mulher perdeu a visão aos 6 meses em decorrência de um tipo de câncer nos dois olhos. Aprendeu o braille bem cedo, por iniciativa abençoada da mãe que jurou que a filha seria independente aos 10 anos. Assim levou a vida como qualquer outra criança: pegava ônibus para ir à escola, brincava na rua e tinha muitos amigos. Cresceu e resolveu ser advogada. Entrou na faculdade com ótima classificação. Durante uma das aulas, o professor comentou que nunca poderia exercer a advocacia, pois havia um determinação na OAB de que advogado não poderia ser deficiente visual. Imagino como se sentiu a receber aquele banho de água fria. Mesmo assim, concluiu o curso. E "peitou" a OAB, conseguindo que lhe fizessem uma prova em braille. Foi aprovada e recebeu a carteirinha para exercer a advocacia com o devido registro profissional. Tinha o sonho de ser juíza. Novamente veio a imposição e ela foi brigar para ter os mesmos direitos dos demais que pleiteavam a magistratura. Tiveram que lhe aplicar uma prova de concurso para juiz em braille. Dessa vez não conseguiu a pontuação mínima. Cumpria todas rotinas domésticas sem grandes turbulências. Morava sozinha, fazia tudo em casa, sendo bem feliz e comunicativa. Limpava o apartamento, colocando todas a coisas no seu lugar, se vestia sem precisar de ajuda, namorava, frequentava a academia e até fazia o arroz, refogando o alho e cebola, cumprindo todas etapas do cozimento sem nenhuma dificuldade. E nunca se queimou e nem jogou arroz fora da panela. É um heroína, que foi além dos preconceitos e limitações que a falta de visão acarreta, conseguiu vencer na vida, merecendo todos os aplausos do universo. Algumas vezes em que faço o número 2, fico refletindo como ela se limparia sem enxergar. Talvez o bidê ou chuveiro ajudassem a resolver o assunto, mas nem sempre os terá ao seu alcance. Poderia utilizar o olfato ou tato, mais imagino que não seriam 100% eficazes, e nem, tampouco, agradáveis e higiênicos. Talvez pudesse pedir ajuda para alguém que esteja perto, algum parente ou amigo, o que daria certo constrangimento. Conclusão, é possível vencer grandes desafios nessa vida, mesmo que falte algo tão importante como a visão. Mas executar uma tarefa trivial ficará para sempre comprometida, até segunda ordem.

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 12/06/2023
Reeditado em 12/06/2023
Código do texto: T7811509
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