Um conto cheio de som e de fúria.

Um conto cheio de som e de fúria.

 

“Life (...) is a tale.

Told by an idiot, full of sound and fury

Signifying nothing”.

Macbeth, V. 5.

 

“A vida (...) é um conto.

Contado por um idiota, cheio de som e fúria

Significando nada”.

Macbeth, V. 5.

 

A alma humana oscila entre a ilusão de ter um poder ilimitado e o sentimento de profunda impotência. Nos vangloriamos por civilizar continentes inteiros, por cobrir mares quase com a velocidade do pensamento, por perfurar montanhas, metais poderosos, por sobrevoar as nuvens, planetas e astros.

Concomitantemente, sentimo-nos impotentes, escravos da tecnologia, das instituições, somos infelizes no trabalho. Porém, nunca subimos tão alto e, descemos tão profundamente.

Eis a era da existência de massa. Enfim, tudo que existe e irá permanecer tem que servir às massas. Tem que ser uniformizado e massivo como são os povos, os servos, os exércitos e as catástrofes. O homem é apenas um número e, os números, afinal, regem o mundo. Há recordes e estatísticas que se aplicam aos diversos fenômenos.

A massa precisa e requer comida, roupa, educação, saúde, emprego e diversão. Não bastam as forças da natureza nem a conspiração da história. Nem as ideologias mais sedutoras ou enganosas. É imperioso organizar-se, tornar-se técnico e racionalizar. Montar o aparato e, a este estamos todos sujeitos.

Para o serviço não precisa de homens geniais, de homens bons. Serve adequadamente a mediocridade capaz, basta a destreza em tornar o aparato proveitoso. Somos todos senão meras engrenagens nessa máquina gigantesca, e nesse potente rolo compressor, que aliás, a quem nós servimos, sem compaixão. É o aparato que cultiva na alma humana o sentimento de impotência.

Tudo serve ao rolo compressor. O aparato já não nos alimenta, antes nós é que devemos dar-lhe de comer, cuidar que não passe fome nem fique parado, fazer-lhe a propaganda. A publicidade sendo-lhe alegria de viver, quem não faz publicidade é a ela sacrificado.

A educação tornou-se um problema a ocupar congressos quando já não se educava a ninguém. O diabo, que segundo Shakespeare sabia citar em benefício próprio as Sagradas Escrituras, torceu a fórmula evangélica “Se não vos tornardes como criancinhas” no satânico “Tornai-vos pueris!”. A vida inteira tornou-se primitiva.

A ditadura da juventude forma tudo à sua imagem e semelhança. A literatura esplende no romance de aventuras; a arte “simplifica-se” até chegar ao dadaísmo do rabisco em pranchas; o cinema repele todo problema que exceda o horizonte dos quinquagenários; a economia retrocede à economia natural dos primeiros tempos.

O retrocesso toma vulto e nos faz menor que os animais e satânicos como os antípodas dos anjos. Nascemos no seio da civilização e como símios atuamos na selva primeva, acreditando que tudo deva ser dessa maneira e desatendendo aos conhecimentos e as ciências que criaram desde a lâmpada até o motor a gasolina.

A ciência, por sua vez, virando especialização de limitada visão tornou-se a atividade maquinal de bandos de professores universitários, que desenhando formulas e métodos transformam suas conquistas em milagres da ciência e da experiência da razão.

O homem não está no fim das épocas geológicas, mas nas origens da criação; sendo o mais perfeito de todos os seres, é o arquétipo de toda a vida. Mas, a vida é apenas um conto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 14/06/2023
Reeditado em 18/06/2023
Código do texto: T7813837
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