Identidade

Estou parada num canto escuro, olho o relógio, e além da contagem humana do tempo, me intriga essa capacidade onírica cheia de detalhes. Pelo que mede minha experiência, quanto mais detalhes, mais certeza de que esse cenário irreal projeta algum medo genuíno. Fujo por entre paredes que formam um corredor estreito, ouço choro de um bebê, e um bêbado de rosto familiar tenta tirar de minhas mãos meu documento de identidade. A hora inventada marca a passagem do tempo, no sonho eu fujo pelos corredores que se fecham ao redor de mim, tornando impossível minha passagem de um ambiente a outro. Em um deles digo um relato para uma mulher de autoridade que é alheia ao meu medo, num gesto tão fácil ela devolve minha identidade ao meu perseguidor. Eu volto para as casas iniciais como se perder fosse um caminho conhecido. No sonho os corredores se fundem e já não consigo distinguir se estou no começo ou no fim do labirinto onde me caçam. Olho rápido em volta e percebo os detalhes irreais da minha realidade onírica, achataram os corredores como quem junta aquele brinquedo com forma de espiral dos anos 90. Alguém me entrega o documento tão real de identidade, meu relato é descreditado como toda narrativa de mulher, com o documento que identifica quem sou eu em mãos, me sinto aterrada pela certeza de que é inútil correr para proteger quem eu sou e que se eu acordar, todos os meus medos acordam comigo. Olho o relógio, marca 1:49. No canto escuro eu lembro que preciso tirar uma segunda via do meu documento de identidade.

Évora Solitu
Enviado por Évora Solitu em 28/06/2023
Código do texto: T7824127
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