O SERESTEIRO

Hoje vou contar a história de uma lembrança. De um amigo querido que há algum tempo se foi para junto de Deus e que hoje lá deve ele estar cantando junto com os anjos as canções de que tanto gostava.

Delival de Sousa Nobre, ou Delival da Fonseca Nobre, nunca sei qual é qual, pois ambos, pai e filho, meus amigos do peito, embora tendo chegado a minha vida por atividades comuns diferentes. O pai, que já aqui não está, desembargador no estado do Pará, pela música. O filho “Delivalzinho”, como alguns o chamavam na época em que lhe conheci, certamente para diferencia-lo do pai e que hoje é cirurgião plástico de renome radicado no Rio de janeiro, pelo esporte (tiro ao alvo).

Quando não nos reuníamos em outros eventos Delival, o pai, sempre me convidava para a famosa seresta comemorativa do seu aniversário, que ocorria impreterivelmente todo mês de julho em sua casa, na passagem Flamengo, na Ilha do Mosqueiro. Já em maio eu recebia seu telefonema convidando, em junho lembrando. Lá escutávamos sua voz embalada pelos acordes de seu violão, eu e mais dezenas de seresteiros que lá se reuniam.

Nesse dia, muito tempo depois de sua morte estávamos reunidos na casa de um parente do Gervásio, meu parceiro musical e amigo do Clube do Camelo para mais uma de nossas famosas serestas.

Começamos a lembrar do Delival e de suas idiossincrasias, como o “Eu sei que vou te amar” frase que costumeiramente cantava como arremate de todas as músicas que interpretava, como a ojeriza que tinha a algum dos convidados que não gostava tanto de musica como nós e que interrompia a canção ou que começava a falar alto sobre outros assuntos não dando a mínima atenção ao cantor que estava dando o máximo de si para transmitir ao público o sentimento que dominava sua alma.

Naquela altura, uma senhora que fez parte da convivência do velho seresteiro junto conosco começou a cantar uma das canções que ouvíamos quase sempre do Delival. Não lembro bem, mas acho que era a “Contigo Aprendi” do Armando Manzaneiro ou talvez o “Onde anda você” do Vinicius. No meio da canção começamos a ver as lágrimas rolando no seu rosto. Terminou a canção com muita emoção de todos os presentes.

Evito falar o nome da minha querida amiga que também já se foi, pois as más línguas diziam que havia segredos entre os dois. Não acredito em fofocas, embora se houvesse a menor possibilidade de verdade eu pessoalmente faria muito gosto disso. Pensei muito em não fazer nenhuma referência ao assunto, porém estou contando isso em respeito ao meu público pois faço menção da possibilidade de segredos na letra que fiz a respeito do acontecido.

Na época que fiz a música tinha mais prurido de falar coisas assim por isso não coloquei, nem na letra da música o nome explicito dos protagonistas da história. Os mais chegados iriam entender o implícito nas palavras. Hoje a diminuição dos escrúpulos pela vivencia adquirida já me permitem citar apenas um dos santos e parte do milagre.

VELHO AMIGO

(Almir Morisson)

Foi ontem que vi teus olhos

Brilhando que nem fogueira

No tempo da cantoria

Na hora que fui cantar

As águas que caem dos olhos

São saudades das cantigas

E que ontem naquela hora

Quando o peito quebra e chora

A lua na noite traz

Lágrimas são sentimentos

Quem sabe segredos

Que a vida não conta

Mas hoje despontam

Nas águas do olhar

E por falar em saudade

Seresteiro velho amigo

Que hoje não vejo mais

Mas sinto nestes acordes

Das cordas que o tempo afina

No pinho que me traz paz

Dele valem as lembranças

Os arroubos de paixão

Que “contigo aprendi”

Velho amigo, vou lembrar

Do teu:

“Eu sei que vou te amar...”

12-10-07

Parte da melodia fiz com uma linha rítmica diferente e pedi ao meu parceiro Gervásio Cavalcante que acompanhasse minha voz ao violão e fizesse um sequencienciamento rítmico musical em um programa computacional usado por ele.

A música ficou um pouco incomum, mas o trabalho do Gervásio ficou excelente. Escutem em

https://www.recantodasletras.com.br/audios/cancoes/79017