O LEITÃO .

 

   Era junho, mês de férias e portanto aproveitei para levar minha mulher e meus filhos para passar um fim de semana no sítio de uma amiga. O sítio era um local maravilhoso, tinha uma variedade enorme de frutas, criação de coelhos, galinhas, patos, perus, sem falar num imenso viveiro com pássaros de várias e belíssimas cores.

   Na parte dos fundos da casa, havia um pequeno lago onde nadavam enormes peixes, que podiam ser pescados e comidos sem nenhuma cerimônia (não preciso dizer que os peixes só podiam ser comidos assados, fritos ou ensopados). Sem dúvida, era um lugar paradisíaco.

   Também nos fundos da enorme casa tinham uns barracões enormes, muito limpos e asseados onde a dona da casa criava porcos. Fomos ver os tais chiqueiros de perto, que eram realmente muito bem tratados, com acompanhamento inclusive de um veterinário.

    Ficamos encantados com os leitõezinhos que uma porca (sinceramente estou na dúvida se o certo é porca ou leitoa) incrivelmente grande tinha acabado de dar cria .Eram lindos, rosadinhos e muito espertos.

   Durante o almoço foram servidas deliciosas costeletas, de porco naturalmente e em conversa cogitamos da possível encomenda de um pernil para a ceia de Natal. Nossa anfitriã nos disse que para ela ficava difícil vender só o pernil mas não faria nenhuma objeção em reservar um leitãozinho, que seria entregue em dezembro, nas proximidades do Natal.

   Não sei se por influência da comida e de dois tragos de uma cachacinha que viera de um alambique do interior de Minas (se eu não provasse estaria ofendendo os donos da casa) ou pelo fato da minha mulher estar concentrada em saborear uma taça com doce de abóbora, não prestei muita atenção ao que me foi dito.

    Naquela hora, nem me lembrei que um leitãozinho alguns meses depois, bem tratado como era, se transformaria num enorme porco adulto. Deveria ter dado ouvidos ao que estavam me alertando.

    Minha família não é numerosa e nossa idéia de ceia era pouca variedade de pratos, um pernil tamanho médio (todo ano sobrava), um chester, castanhas, nozes, avelãs rabanadas, arroz de forno com passas, uma ou duas compotas e um belo panetone. Ficava ótimo.

   Os meses foram passando muito rápido, não pensei mais no assunto e uma semana antes do natal recebemos um telefonema da minha amiga, pedindo para confirmar como queríamos o porco.

    Estranhei um pouco a pergunta, pois nossa idéia era só assar um pernil. Ela refrescou minha memória jurando que nos dissera não poder vender só o pernil. Insisti dizendo que esperava então trazer para casa um leitão e não um porco. Ela retrucou lembrando que de fato eu tinha reservado um leitão mas ele tinha crescido e virou um porco.

   Comecei a ficar um pouco preocupado pois os porcos que tinha visto no sítio não cabiam no meu carro, na época um fusquinha. Minha amiga me tranquilizou, dizendo que me entregaria o porco já morto ( não tinha entendido bem a colocação pois é claro que o porco teria que vir morto). Era só temperar e assar.

    Tive um mal pressentimento de que não era tão simples assim mas preferi não falar nada com minha mulher, que fizera questão de me acompanhar (o lado bom é que minha mulher sempre foi testemunha ocular das minhas trapalhadas).

    Chegamos ao sítio eu, minha mulher e meu fusquinha. Fomos recebidos com os habituais abraços, uma dose (uma só não, se não engano duas ou três) daquela cachacinha mineira (Lembram-se ? Aquela que foi minha perdição da outra vez?!) e depois de colocar a conversa em dia, fomos para a varanda dos fundos onde estavam uma geladeira e dois freezers enormes

    Como a geladeira era menor que os freezers, imaginei que meu leitãozinho estava ali. Enorme engano! Aliás , um engano bem grande pois na geladeira estava só a cabeça do porco. O restante do corpo, estava no freezer maior. Vocês, por acaso , fazem uma idéia do tamanho de um porco adulto ? Morto ele parecia maior, muito maior.

   Só para se ter uma ideia, dois vizinhos que trabalhavam no sítio me ajudaram a transportar o bicho para o meu carro. Vocês não imaginam a dificuldade que encontramos para ajeitar as partes do falecido no banco traseiro. Minha mulher estava tão nervosa que não sabia se ria ou chorava (minha sorte é que naquele momento ela não teve ímpetos de me esganar).

   Quando já nos preparávamos para sair, minha amiga veio correndo avisar que tínhamos esquecido a cabeça do porco. Minha mulher não queria levar, mas foi convencida de que se não levasse, o pernil não ficaria bem cozido ou coisa assim. (na verdade não entendi bem o que uma coisa tinha a ver com a outra). Como não tinha mais remédio voltamos para casa, acomodando um porco morto no banco traseiro do fusquinha e a cabeça no colo da minha mulher, que entre algumas coisas pensadas, ditas e repetidas, no momento impublicáveis, jurou que nunca mais iria falar comigo.

    Meus problemas estavam só começando, ou melhor, continuando. Poucos quilômetros de estrada e um dos pneus furou. Encostei o carro e quando me preparava para fazer a troca, bem atrás encosta um carro da patrulha rodoviária. Até que foram muito educados e atenciosos.

   Só não gostei (e minha mulher mais ainda) quando um deles insistiu em ensinar receitas sobre a melhor maneira de aproveitar e preparar a cabeça do porco. Por pouco (quase que eu escrevo “por porco”), minha mulher não deu para ele aquela cabeça de presente.

   Chegamos em casa e minha mulher, sem falar comigo. Ela saiu do carro , bateu a porta com mais força do que o habitual (As mulheres gostam de bater as portas dos carros com toda força. Deve ser por medida de segurança ou implicância) e eu fiquei com um porco enorme dentro do fusquinha, a cabeça em cima do capô e uma chuvarada que de propósito começou a cair em seguida....

 

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     Comentários finais, só para não despertar curiosidade sobre como acaba a história:

 

         Nossa ceia foi ótima! Tinha arroz de forno com passas, rabanadas, castanhas , panetones, nozes, frutas cristalizadas, dois tipos diferentes de compotas, um belo peru assado e champanhe, claro. Minha mulher voltou a falar comigo, só que não me deu nenhum presente. E o leitão ? Meus vizinhos do lado direito ficaram com a cabeça, os da esquerda com dois pernis e os da frente levaram o resto para as comemorações numa igreja. Na ceia minha mulher comentou alguma coisa a respeito com minha sogra. Disse que a cabeça do bicho era tão grande que na sua boca tinha que ser colocada uma abóbora e não uma maçã. Faz muito tempo que não como um pernil e outra coisa : vou tomar mais cuidado com as cachacinhas mineiras....




(.....imagem google.....)

WRAMOS
Enviado por WRAMOS em 18/12/2007
Reeditado em 05/01/2013
Código do texto: T783635
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