PADRINHO DOUTOR
-Não quero mais esse filho da puta como padrinho da minha neta! Vou convidar uma prostituta que mora lá perto de casa! Acho até que é melhor um bandido que é ladrão e traficante! Pelo menos seria mais leal.
-Não diz isso! Se ele não foi, alguma coisa deve ter acontecido.
-Nada. Só porque eu sou torto não mereço consideração.
Estava mesmo enfurecido o Eduardo! A coisa era com o Dantas a quem tinha convidado para padrinho da sua primeira neta e tinha falhado, com ou sem explicações, nas três vezes que o futuro avô-compadre marcara o evento.
Naquele dia de reunião do Camelo no salão nobre só quem tinha faltado era o Dantas. Além disso o Edu já estava calibrado com alguns uísques temperados com refrigerante, como ele gostava e entornava sem sentir.
A zanga do repórter, poeta e funcionário público federal era porque ao nascer sua primeira neta convidara para padrinho o Dantas, advogado, antigo procurador geral do extinto DNOS e fundador do Clube do Camelo.
Acontece que o ilustre convidado na primeira vez que marcou o batizado, sumiu. O Edu procurou por todo o lugar sem êxito. Telefonou para todos os números disponíveis sem obter resposta. Cancelou a data e depois soube que o padrinho tinha viajado. Dizem até que a passeio.
Da segunda vez o avô-repórter que já tinha conseguido até com o vigário a dispensa do curso que a igreja exigia, só para evitar mais entraves e aborrecimentos ao futuro padrinho, frustrou-se novamente. Desta vez foi avisado. Era um outro batizado! O Camelo-mór era muito requisitado para batizados e tinha se comprometido com outra criança. Até a futura afilhada que ainda não entendia nada estava ficando impaciente. Os pais nem se fala!
Apesar de fazer questão de indicar o padrinho, naquela altura o Edu já estava descrente do escolhido e começou a convidar os outros Camelos, a começar por mim, para substituir o faltoso. Dizem as más línguas que os principais requisitos era ser Camelo e doutor. Ninguém aceitou, pois ninguém quis correr o risco de desagradar o Dantas.
Sem conseguir substituto, o Edu resolveu dar a última e derradeira chance. Marcou mais uma vez a festa.
Mas, desta vez de novo?... A terceira desfeita já era demais! Era inacreditável que o padrinho mais uma vez tivesse furado o compromisso. E como agravante havia o fato de agora estar tudo arrumado, amigos convidados, comes e bebes prontos e tudo o mais! Esta fora a gota d'água que faltava e que gerara os impropérios proferidos na reunião. O pretexto dessa vez foi um desarranjo intestinal que quase o leva para o hospital! Pelo menos assim desculpara-se o causídico.
O Edu já invocava até o preconceito pela sua condição de deficiente físico. Condição que nas situações de emergência e necessidade sabia se aproveitar muito bem. Na verdade nunca tinha tido nenhum complexo do fato. E os amigos sempre brincaram com ele sem maldade, o que lhe rendeu, logo que entrou no quadro de funcionários da Universidade, o apelido de tirafino. Isto sem deixar nenhuma sequela.
O Dantas soube do desabafo do Camelo poeta e isso de alguma forma lhe tocou tão fundo que, após as três prorrogações conseguiu convencer o avô-compadre-frustrado a tentar novamente a façanha. Em menos de uma semana o batizado estava realizado.
Houve festas e, como não poderia deixar de ser, a música com letra minha e melodia do Gervásio, em homenagem ao evento:
PADRINHO DOUTOR
(Gervásio Cavalcante e Almir Morisson)
Causídico renomado
Foi certa vez convidado
Pra batizar a criança
Que nasceu na esperança
De ter padrinho afamado
O avô que é presidente
De tabloide independente
Fez questão com muito zelo
Nem sabe que pesadelo
Que o tal postiço parente
Fosse doutor e Camelo
O caso é que o escolhido
Fugia mais que bandido
Da justa e do delegado
Quando foi comunicado
Da festa do batizado
O avô solicitante
Poeta desde nascença
Perdeu toda a paciência
Decência, tino e consciência
Disse de hoje em diante
Não quero mais o tratante
Vou buscar um meliante
Quenga, ladrão,traficante
Que é padrinho mais brilhante
Já estava desesperado
De tanto esperar sentado
Pelo tal advogado
Quando veio adjutório
De alimento purgatório
Comido no refeitório
Da cantina do Libório
Tava tão mole o padrinho
Que nem "aquele" chá de folha
Supositório de rolha
Deram jeito no intestino
E o coitado acabrunhado
Ficou tão agoniado
Que pra pagar o pecado
Fez logo três batizados
Assim o compositor
Pra resolver o "pendor"
Nem precisou meretriz
Seu vigário é quem nos diz
O final foi bem feliz
Parto longo, mas sem dor
Não deixou nem cicatriz
Apesar de ter achado
Compadre demorador
A neta do redator
Ganhou padrinho doutor.
07/02/99 (data da composição)