"Último encontro"

Ao findar daquela última noite com Jonas, eu mal sabia que o teria pela derradeira vez... conscientemente, talvez soubesse porque foi a minha impulsividade a responsável pelo nosso encontro final. Eu estava no trânsito, parada em meio ao caos da minha cidade. E no rádio tocava uma música cuja tradução revelava a mim o meu desejo de ser para ele o que ele era pra mim, “You’re fucking special”, em grosseira ou não tradução, “você é especial pra caralho”. Naquele mundo fugaz, Jonas era a minha perfeição; ao contrário do que diz a canção, olhar nos olhos dele era quase uma obrigação – a cor atípica, de um verde esperançoso mesclado a um amarelo repleto de desespero e dor, me chamava para uma rota de fuga necessária. E eu fui ao encontro daquele olhar, numa mensagem cheia de apelo, de tesão, de paixão camuflada a apenas um desejo carnal. Eu não vou dizer aqui, leitor, o que eu disse em voz ao moço, mas confesso que não fui romântica, porque se o fosse, talvez escancararia a ele o tormento que ele causou em meu coração, e eu, sinceramente, não estava preparada para revelar tamanha intensidade.

Chegando em casa, mesmo exausta, tomei meu banho, longa e prazerosamente, sabendo que a resposta dele poderia ser positiva; mas e se não fosse? Não pensava nessa possibilidade; era a minha intuição me levando à morte prematura de uma romântica escondida num corpo cuja sensualidade exalava pelos poros, cujo olhar ardia e queimava, cuja boca o chamava para um beijo inundado de vontades despudoradas... eu já sabia que morreria ali, repentinamente, a recém-nascida mulher apaixonada, em pleno auge da maturidade.

Eu era, na visão dele, uma tentação que o colocava num desregramento útil e necessário. A promessa de ir embora antes da meia noite nunca foi cumprida, “Você promete ir embora antes da meia noite?”. Nunca consegui atendê-lo. Ele nunca conseguiu me negar o pouco tempo que ainda teríamos, pois sabia que no futuro eu não faria mais parte da sua rotina. E eu aceitava porque acreditava ser aquilo uma breve aventura. Eu estava completamente enganada em relação a isso.

Jonas deixava-se seduzir. Eu o seduzia com o riso escondido e o coração em disparada, mas negava o sentimento puro que se alimentava ali, naquele meu peito aparentemente blindado. Da minha casa à dele, menos de quinze minutos. Nem o caótico trânsito me incitava qualquer medo, desviava dos outros automóveis com a agilidade que raramente aparecia. Os faróis vermelhos não eram respeitados e quase sempre me acompanhavam buzinas e palavras inapropriadas ditas em alto tom. Eu nem ligava: Jonas valia o risco. Cada minuto importava porque era com ele que aproveitaria sem delongas. Quando cheguei ao prédio, já no estacionamento, olhei para o alto, e tentei observar se ele me esperava ansioso. Mas foi na mensagem de texto que ele mostrou a sua ansiedade: “Vem logo, meu”, sem que o jargão paulista impedisse a pressa daquela simples frase, eu sorri e acelerei a subida ao terceiro andar.

A porta, já destrancada, mal ouviu a chegada do elevador, e se abriu. Atrás dela, Jonas com os braços cruzados a me olhar furioso disse “Você me deixou louco!”; e nem esperou que eu repousasse sobre a mesa a bebida que ofereceria a ele como cortesia. Abraçou-me, como já disse outra vez, com uma agressividade afável e me beijou raivosa e profundamente. Ali, quase com a porta escancarada, ele me despiu. Beijou-me toda. Amou-me sem saber que amava pela última vez.

Não me lembro a hora exata em que lá cheguei, era por volta das 21h, eu nem olhava para o relógio, porque não aceitaria a passagem do tempo; e a hora de ir embora chegaria numa certeza messiânica.

Eu e Jonas, ao contrário do que havíamos planejado, fizemos amor olhando ambos um nos olhos do outro, mas somente eu acreditei naquela breve comunicação; apenas eu, leitor, vislumbrei o amor, mesmo não querendo assumi-lo.

Naquela noite, levou-me à cama, entrelaçou sua perna sobre o meu corpo, ofereceu-me sua intimidade por completo; olhou-me nos olhos silenciosamente, tocou-me com calma o corpo e o descreveu em forma de canção, recitando para cada parte do meu corpo um poema (e Jonas não era afeito à poesia, mas soube compô-la de improviso, movido pelo vislumbre que, à frente dele, jazia).

Ao final, como se encerrássemos um enredo insólito, soube que aquela era a nossa despedida e anunciou-a sem que meus olhos o fitassem. Não me olhou, não me sentiu, apenas me disse o que a boca dele pediu, e eu não quis entender a lógica daquela frase, e acreditei ser apenas um “até logo”. A embriaguez, duas semanas depois, resgatou esse último encontro e me fez querer enterrá-lo de vez pelo meu vômito e pela minha alucinada necessidade de substituí-lo... e foi em vão que esvaziei uma garrafa, pois ainda hoje Jonas permanece à espreita, pronto para me colocar novamente à prova. Mas só eu o vejo. Somente eu o sinto. Apenas eu. Apenas eu!