VISITANDO AS COMADRES

PEQUENAS CRÔNICAS DO COTIDIANO

VISITANDO AS COMADRES

Havia um tempo em que as pessoas cultivavam o hábito de visitar-se.Minha mãe, que era crocheteira famosa,apinhada de encomendas, uma vez por semana chutava pro alto a cestinha de crochês e ia logo avisando:

Hoje vou tirar a tarde pra visitar minhas comadres, minhas amigas,minhas conhecidas...

Aquilo me soava feito uma divina melodia e de pronto eu convidava ao meu primo para nos fazer companhia.

As casas a serem visitadas geralmente ficavam longe em caminhos de campos e matas.

Quando chegava-se ao destino, era comum ouvir a dona da casa dizer toda sorridente:

-Não foi a toa que o galo cantou umas duas ou tres vezes na porta da cozinha. Dei uma "areada" nos alumínios calculando que teria visita.

Os galos não falham !

Sejam bem vindos ! Vão se abancando.

Ofereciam uma cadeira de palha à visitante e um banco longo de madeira aos acompanhantes (meu primo e eu).

De início ficávamos comportadíssimos,porém,na primeira oportunidade saíamos sorrateiros a investigar os galinheiros, os paióis, o pomar com as frutas da estação.

O melhor da visita ficava por conta da "lavança" do coador de café.Sabíamos que as mesas,embora singelas,seriam fartas e como diz o ditado: "A galinha da casa alheia é sempre mais gostosa !".

Por conta disso, muito bolinho de chuva, broa com torresmo ou bolo de fubá,foram gulosamente devorados durante aquelas visitas, causando constrangimento à minha mãe que , furiosa, fazia os seus sermões no caminho de volta.

Aquilo parecia um mantra e começava sempre assim:

-"Que vergonha da comadre ! Não os trago nunca mais em meus passeios".

Que nada ! Na semana seguinte lá estávamos apostos para novas empanturrações.

Em casa, quando o "fiasco" era relatado à minha avó paterna, se ouvía sempre a pérola:

-Nem ligue ! Nem fique nervosa. Nessa idade a piazada costuma carregar um cachorro na barriga.Comem tudo o que surge pela frente.

É a dita fome canina.

A nós aquilo era divertido e por vezes quando agora nos encontramos, rimos e lembramos com saudade daqueles cachorros que tínhamos na barriga, segundo nossa avó.

Havia também, é claro, aqueles dias em que nossas visitações davam errado. Min ha mãe dizia: "Demos com o nariz na porta". Era quando chegávamos ao destino e a casa estava fechada.Ai se colhia um feixe de mato que colocado no portão ,era um sinal de que alguém esteve por ali.

Nesta noite fria e chuvosa de hoje, penso ter ressuscitado aquele cachorro que ainda aloja -se em minha barriga.

Comi demais !

De repente bateu um certo arrependimento pelo pecado da gula , misturado à saudade melodiosa daquelas águas escorrendo nas lavanças dos coadores. Meu primo e eu, quase matando dona Hilda de vergonha e empanturrando-se dos mais deliciosos bolinhos de chuva que já degustei nesta minha longa existência.

Isso tudo ao redor daquelas mesinhas de madeira encobertas com toalhas de chita, os fogões ardentes num canto das cozinhas e os surrados panos de parede presos por pregos de sarrafos, distribuídos aqui e acolá.

Num deles, lembro-me nitidamente dos dizeres:

"Uma mulherzinha esperta nunca se aperta"

IRATIENSE THUTO TEIXEIRA
Enviado por IRATIENSE THUTO TEIXEIRA em 06/08/2023
Reeditado em 06/08/2023
Código do texto: T7854947
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