QUANTO VALE UM TRABALHADOR?

QUANTO VALE UM TRABALHADOR?

Quando a máquina do capitalismo disparou muito do que fora construído em milhares de anos se tornou obsoleto, entre eles o mito do respeito a morte, aquele momento de reflexão e luto da família e dos amigos do ente querido ao dar seu último adeus foi se tornando menor com relação ao tempo até não existir mais.

Afinal, a máquina não pode parar nem que seja apenas por um período pequeno, o capital precisa girar e a importância do ser humano se torna a cada dia mais ínfima diante a essa moenda gigante que engole homens e aborta sonhos.

Hoje após a notícia da morte de uma colega de profissão que trabalha na mesma escola a qual eu trabalho senti esse sentimento de insignificância, fiquei um pouco abatido, não pela presença da morte, pois como diria Ariano Suassuna em O Auto da Compadecida, todos nós um dia nos encontraremos “com o único mal irremediável, aquilo que é a marca do nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo, morre”, fiquei abatido pela forma como somos enxergados e tratados por parte daqueles que compõe a máquina, por sinal, também são vítimas da mesma, porém estão imensamente envolvidos que nem chegam a perceber tal atrocidade.

Em nenhum momento uma nota da nossa instituição maior, a não ser da nossa gestão que de maneira humana se preocupou em correr atrás de uma coroa de flores de forma plausível e justa, mesmo tirando dinheiro do próprio bolso e pedindo ajuda dos colegas para isso. Entretanto, nenhuma nota da nossa instituição maior suspendendo ao menos um dia de aula para os colegas prestar essa última homenagem à colega vitimada, um dia apenas. Não podia, a máquina é sedenta por suor e sangue humano.

Peguei-me pensando e me veio a cabeça o poema “O bicho” de Manuel Bandeira, poderia fazer uma comparação perfeita do que nos tornamos, apesar de todo o nosso conhecimento e discernimento humano o qual dizemos ter, mas nós somos esse “bicho selvagem” que abandona o “bicho” semelhante a ele na moenda destruidora.

Vi ontem um bicho

Na imundície do pátio

Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,

Não examinava nem cheirava:

Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,

Não era um gato,

Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

Você poderia me dizer: Mas que comparação mais esdrúxulas!

Concordo com você se assim pensou, porque o “bicho” do poema é o que passa fome e cata comida para se alimentar, o homem, já o “bicho” do qual falamos é a moenda engolidora de gente esperando para nos moer em breve, o capitalismo, mas esse bicho, meu Deus, esse bicho é movido pelo próprio homem.

Sendo assim, em ambos os caso perdemos a sensibilidade por conta da máquina criada e movida por nós. Nos tornamos o “bicho” engolindo outros “bichos” sem nenhum remorso devido termos criado a imensa máquina do capitalismo que uma vez disparada não se pode mais frear.

Parei!

Parei e pensei no tamanho da minha importância quando estou bem de saúde, por estar produzindo e alimentando a máquina. Mas se eu por acaso não conseguir mais produzir o quanto hoje produzo daqui dez anos? O que acontecerá?

Com certeza serei engolido e triturado e todo o meu legado será logo esquecido, talvez até o meu nome. Como sou só a peça da máquina serei rapidamente substituído até antes mesmo de ser enterrado e por sorte alguns colegas mais chegados comprarão uma coroa de flores, também colocarão em meu túmulo aquele velho e repetido “aqui jaz” e minhas iniciais as quais o tempo se incumbirá de apagar.

Quanto valho eu trabalhador?

Trabalhando tenho valor de uma peça, morto, quem se importa? Serei apenas uma estatística numerada em um livro ou no sistema, mais nada.

JOEL MARINHO

SUASSUNA, Ariano. O Auto da Compadecida.

BANDEIRA, Manuel. O Bicho.