HERÓI

Nunca fui preconceituoso, mas isso não impede que tire brincadeiras com pessoas negras, como não impede de dizer que quase sempre encontro negras lindas, assim como de vez em quando aparecem algumas bem feias.

Não consigo entender, e muito menos aceitar, esse tal de politicamente correto que apareceu de repente. A cor da pele existe e depende apenas da quantidade de melanina que foi transmitida geneticamente. Assim como existem pessoas feias ou bonitas, boas ou más, independentemente da cor de sua pele. Depende apenas da subjetividade do conceito de beleza e de maldade de cada indivíduo.

Assim, eu tinha uma prima que era como uma irmã mais velha pra mim. Deus já a levou quando tinha 80 e, por acaso, tinha herdado mais o lado branco de minha avó portuguesa de nascimento apesar de seu pai ser negro, herdado de outro ramo da família.

Sempre me orgulho da miscigenação da minha família, tanto que continuei a mistura genética com minha segunda esposa, linda, segundo meu conceito, e com uma pele da cor de chocolate com leite, e quem trato carinhosamente de minha preta.

Toda essa firula foi pra dizer que minha prima casou com um negrão daqueles que são quase roxos, uma figura imponente e, diga-se de passagem, bonito na maioria das opiniões. Depois de um tempo minha prima separou-se dele por motivos que não convém aqui lembrar, mas continuaram se encontrando e convivendo de maneira respeitosa apesar das sequelas oriundas da separação.

Minha prima sempre gostou muito da minha veia de compositor, tanto que possuía, gravadas, a maioria das minhas criações. Um dia contou-me que seu ex-marido, militar de profissão, havia sofrido um assalto, novelizando um pouco a situação e pedindo que eu musicasse a história.

Como os dois já morreram, como aqui não lhes cito o nome e como não tenho nenhuma intenção de ofender a honra subjetiva do protagonista, como diz a lei atual que sujeita o autor de tal façanha à pena de multa e reclusão, posso aqui transcrever o fato.

Sabendo dos sentimentos dela para com ele na época, aumentei e inventei, juntando um pouco de humor e a letra saiu assim:

HERÓI DE MENTIRINHA

(Almir Morisson)

Aconteceu,

Assaltaram hoje de noite um pobre capitão

Que vinha pela rua com seu carro contra mão

Eram três caras armados de metralha e de canhão

- ai meu Deus que confusão

Vejam vocês,

Mas eu tenho que dizer o que se sucedeu

O negão tremia mais que vara verde em furacão

Que entrou com carro e tudo debaixo dum caminhão

Mas o negão

Como não quis dar mancada deu uma de valentão

Diz que bateu num assaltante e que o tal do meliante Ficou todo estropiado e deu com a cara no chão

Só que a verdade,

O que aconteceu de fato a imprensa não contou

Que o negão borrou-se todo com medo do “tresoitão”

Deixando um cheiro ingrato exalando do furgão

-Foi o maior papelão

Mas seu doutor.

Agora o “ome” tá outro disque diz que está acabado

Tá com estresse o coitado não sai nem pra trabalhar

Ficou três dias de cama passou a desmunhecar

-Mas que azar

Se alguém se lembra

E fala da fedentina que vinha da viatura

“O cheiro é da gasolina” diz ele de cara dura

Imaginem se sacode e todo mundo se explode

Era o meu fim

Mas como imprensa é quem manda e mentirinha não dói

Até hoje pela rua chamam ele de “cowboy”.

Depois do caso passado o negão virou herói

Findou assim

Mas como imprensa é quem manda e mentirinha não dói

Até hoje lá na rua chamam ele de “cowboy”.

Depois do caso passado o negão virou herói

O negão virou herói, o negão virou herói, herói!

Mostrei a ela a primeira versão do seu pedido. Minha prima leu a letra da música e riu muito. Muito mais tarde tive que ajustá-la para caber nos compassos, sem perder a ideia primeira. Pena ela não ter podido escutar a melodia, pois a morte, fim de todos nós, já a tinha levado quando musiquei.