As minorias, as minorias minoritárias, as minorias maioritárias e a maioria.

- Não sei se o que sei está certo ou errado e se o que está certo eu sei que está certo e se o que sei que está errado...

- Que papo furado!

- Blablabla, reconheço. Mas... Vê... Caso queiras ver... O mundo 'tá um bagaço, um bagaço embagaçado. Pegues um bagaço de laranja, esbagaça-o esbagaçadamente duas vezes...

- Deixa de papo furado! Não tenho tempo a perder com lero-lero.

- O assunto é deveras complexo, bróder.

- Descomplexica-o!

- Descomplexicando-o, eu o complexicarei ainda mais.

- Então, complexica-o.

- Se queres...

- Querer, não quero. Mas tenho outra opção?

- Qual opção?!

- A de não te ouvir.

- Não. Não tens. Aí vai: em nossa sociedade, inventaram de inventar uma tal de minoria, que, em tese corresponde à minoria...

- Minoria do quê?!

- Minoria das pessoas que compõem a sociedade. Cada minoria corresponde à uma parcela da população da sociedade. Então, uma minoria, sendo uma parcela da sociedade, e, portanto, mais fraca do que a sociedade, que, correspondendo à totalidade das pessoas que a compõem, é mais forte do que a minoria, tem de, para que a sociedade não a oprima, ser protegida por lei.

- Desenbanana a bagaça.

- Desenbananando-a: a sociedade é o conjunto das minorias que a compõem, é igual à soma de todas as minorias, e cada minoria, sendo menor do que a sociedade, é por ela oprimida porque é ela mais forte. Vê: a minoria das mulheres...

- Minoria das mulheres?!

- Sim. As mulheres, que são de uma minoria...

- Que minoria?! Há mais mulheres do que homens. As mulheres são um pouco mais de cinquenta por cento, e os homens um pouco menos, da população.

- Sim. Mas a sociedade, composta de homens e mulheres, tem mais gente do que apenas mulheres, que merecem leis que, defendendo as minorias, as defendem porque elas formam uma minoria.

- Neste caso, os homens são minoria também, afinal a sociedade, composta de homens e mulheres, tem...

- Entendo este ponto, e não entendo porque dizem que as mulheres são minoria e...

- Está certa a idéia se se considerar que as mulheres são minorias maioritárias.

- Não entendi.

- Eu também não. O raciocínio é o seguinte: a sociedade, composta de homens e mulheres, é maior do que a sua parcela mulheril e a sua parcela homenil. Então a sociedade oprime as duas parcelas, que formam um todo.

- As duas metades.

- As duas metades, não, porque há mais mulheres do que homens, um pouco mais mas há. Seriam duas metades se as duas parcelas correspondessem à metade, exatamente à metade, e não uma à metade e mais um pouco e a outra à metade e menos um pouco. E não estamos falando dos pétis. Então, fica assim: a parcela das mulheres, sendo uma parcela, e não o todo, e, portanto, sendo uma minoria, porque é menor do que o todo, que é a sociedade, tem de ser protegida da sociedade, que, sendo o todo, e, portanto, a maioria, a oprime porque ela é a oprimida.

- Entendi, mas por que é a parcela da sociedade correspondente às mulheres minoria maoritária?

- Por que a outra parcela da sociedade, que é a dos homens, também uma minoria, afinal é menor do que a sociedade, é menor do que a minoria formada pelas mulheres. Assim, temos duas minorias, a maioritária, das mulheres, e a minoritária, dos homens.

- Se a parcela da sociedade formada exclusivamente de homens também é uma minoria, por que dizem que é a das mulheres minoria e a dos homens não?!

- E eu sei?! Deve haver uma explicação, que eu desconheço, que explique o caso. Uma explicação sociológica, antropológica, histórica, psicológica, geográfica, arqueológica, etnológica, paleontológica, parapsicológica, astronômica, astrológica, bioquímica, sei lá.

- Não entendo o... Não entendo, confesso. É o caso muito complicado para a minha cabeça. A minoria das mulheres é maior do que a do homens... E ninguém diz que a dos homens é minoria. A das mulheres é maior do que a dos homens, o que faz a da das mulheres maioritária e a dos homens minoritária. E... E... E a minoria das mulheres negras e a dos homens negros seriam minorias minoritárias. Se entendi bem...

- Entendi o que queres dizer. Entendi. Mas tu estás errado.

- Estou?!

- Estás. Vê: tu dissestes que as duas minorias, a constituída de mulheres negras e a composta de homens negros, são minoritárias. Errado. Ambas são minorias dentro de minorias, mas não esqueça que a minoria das mulheres é a minoria maioritária e a dos homens a minoria minoritária; portanto, a minoria das mulheres negras é a minoria dentro da minoria maioritária e a dos homens negros minoria dentro da minoria minoritária; então, se se considera que em nossa sociedade a população negra corresponde à quarenta por cento da sociedade, a parcela de mulheres negras que compõem a parcela social formada exclusivamente de mulheres é minoria minoritária dentro de uma minoria maioritária, que é a das mulheres; assim sendo, a minoria das mulheres negras é a minoria minoritária da minoria maioritária.

- E a dos homens negros?!

- A dos homens negros é a minoria minoritária da minoria minoritária.

- Não se pode falar menos complicadamente, não?!

- Não sei. Deixe-me ver... Vejamos: a minoria minoritária da minoria maioritária é a minoria minoritária minoritariamente majoritária.

- Piorou!

- Pode-se dizer simplesmente minoria da minoria da minoria maioritária.

- Piorou!

- Ou: minoria minoritária da... É muito confuso!

- Concordo.

- Concordo com a sua concordância.

- Tu disseste que em nossa sociedade a parcela de pessoas negras é menor do que a de pessoas brancas, mas li, não me lembro onde, e quando tampouco, que é igual.

- Eu não disse que a dos negros é menor; tu disseste.

- Eu?!

- Sim. E eu te segui em teu pensamento ao...

- Que diabos! Eu disse... Que seja! Haja o que hajar... Se há mais pessoas brancas do que negras, se há mais negras do que brancas, se as pessoas negras e as pessoas brancas estejam em nossa sociedade igualmente representadas, se... Não vem ao acaso. O troço é deveras complexo.

- E é impossível, já se vê, descomplexicá-lo.

- E onde os japoneses entram na história?!

- Japoneses?!

- É. Japonês não entra no time do brancos e nem do dos negros. Entra em qual time?

- Tu tinhas de envolver os japoneses... Complexicou ainda mais o que já é complexicadamente complexo.

- Seria a turma de japas minoria minoritariamente minoritária dentro de uma minoria minoritária e de uma minoria maioritária?!

- Por que o seria?!

- Ora, porquê?! Ora... Bolas! Ora, bolas! Há menos japinhas e japinhos do que... Vamos deixar os japoneses de fora da história?!

- Sim. P'ra que complexicar o que de tão complexo não conseguimos descomplexicar?!

- Então... Agora, vejamos: homens negros de orelhas-de-abano sofrem preconceitos à beça. São de uma minoria. E as mulheres negras de orelhas-de-abano também. Então... Então... Como é que fica?! As pessoas de orelhas-de-abano... E aí?!

- As pessoas de orelhas-de-abano, que formam uma minoria, considerando apenas as negras, que formam uma minoria dentro de uma minoria, estão subdivididas em duas minorias minoritárias, pois há menos pessoas negras de orelhas-de-abano do que pessoas negras. Há menos mulheres negras de orelhas-de-abano do que mulheres negras e menos homens negro de orelhas-de-abano do que homens negros. As mulheres negras de orelhas-de-abano são uma minoria minoritária dentro de uma minoria minoritária, a das mulheres negras, que está dentro de uma minoria maioritária, a das mulheres. Por sua vez, os homens de orelha-de-abano compõem uma minoria minoritária dentro de uma minoria minoritária, a dos homens negros, que está dentro de uma minoria minoritária, a dos homens. Resumindo: as mulheres negras de orelhas-de-abano representam uma minoria minoritária de uma minoria minoritária de uma minoria maioritária e os homens negros de orelhas-de-abano uma minoria minoritária de uma minoria minoritária de uma minoria minoritária.

- O resumo não 'tá bem resumido, não.

- E há um complicador.

- Há?!

- Há. Sim, há. E pouca gente pensa no caso. Das duas minorias minoritárias, a das mulheres negras de orelhas-de-abano e a dos homens negros de orelhas-de-abano, uma delas é mais minoria do que a outra.

- Não entendi.

- Atenta para este detalhe: há mais mulheres negras de orelhas-de-abano do que homens negros de orelhas-de-abano?! Ou não?! Se há mais mulheres negras de orelhas-de-abano do que homens negros de orelhas-de-abano, então, do total de pessoas negras de orelhas-de-abano, que corresponde à minoria minoritária de uma minoria minoritária, a das pessoas de orelhas-de-abano, a minoria que elas representam é maioritária, e, portanto, é a dos homens de orelhas-de-abano a minoritária. Então, dentro do universo de pessoas negras de orelhas-de-abano é a das mulheres minoria maioritária e a dos homens minoria maioritária. Considero que há mais mulheres negras de orelhas-de-abano do que homens de orelhas-de-abano com um propósito: desenvolver um raciocínio. Não sei quantas pessoas de orelhas-de-abano existem. E não quero saber. E tenho raiva de quem sabe. Continuemos: concluímos, considerando o exemplo que dei: há mais mulheres negras de orelhas-de-abano do que homens negros de orelhas-de-abano, então aquelas compõem, dentro do universo de pessoas negras de orelhas-de-abano, a minoria maioritária, e estes a minoria minoritária. Então, as mulheres negras de orelhas-de-abano são a minoria maioritária da minoria minoritária, a das mulheres negras, da minoria maioritária, a das mulheres. Esqueçamos por hora os homens negros de orelhas-de-abano. As mulheres negras de orelhas-de-abano correspondem à minoria maioritária do universo de pessoas negras de orelhas-de-abano. Mas, pergunto, são a minoria maioritária das pessoas, negras e brancas e de outras cores, de orelhas-de-abano?! Improvável! Ou provável! E eu sei?! Se não, então, do universo de pessoas de orelhas-de-abano compõem a minoria minoritária. Então, é ora, a se considerar à qual grupo pertence, a minoria maioritária, ora a minoria minoritária. E o caso não para por aqui.

- Não?!

- Não. Há, considerando a nossa linha de pensamento, mais mulheres negras de orelhas-de-abano do que homens negros de orelhas-de-abano, mas a proporção de homens negros de orelhas-de-abano à população de homens negros talvez seja maior do que à de mulheres negras de orelhas-de-abano à de mulheres negras, o que faz das mulheres negras de orelhas-de-abano, proporcionalmente à população de mulheres negras, uma minoria menor do que à de homens negros de orelhas-de-abano à de homens negros. Neste caso, as mulheres negras de orelhas-de-abano representam uma minoria minoritária...

- Corrige-me se eu estiver errado: as pessoas que, de um ponto de vista pertencem à uma minoria minoritária, de outro ponto de vista pertencem à uma minoria maioritária.

- Sim. Estás redondamente correto.

- Então... Qual minoria tem mais direitos e merece mais atenção e mais respeito e mais proteção e... Não entendo o búsilis.

- O que é busílis?!

- Sei lá! Meu avô, sempre que está a pensar em um problema deveras complicado, e em vão esforça-se para descomplicá-lo, a coçar a cabeça, exclama: "Não entendo o busílis!" Não sei o que ele quer dizer com tal exclamação, mas que ele quer dizer alguma coisa, quer.

- Com certeza; do contrário ele não diria o que diz. Eu... Não conseguimos... Conseguimos?! Não. Pensando, e pensando, e pensando, concluímos... Concluímos o quê?! Falamos de minorias, de minorias minoritárias dentro de minorias... Mas... Vê! Que interessante!

- Interessante?!

- Todas as pessoas, sejam de quais minorias forem, sejam de minorias minoritárias, sejam de minorias maioritárias, pertencem à maioria.

- Sério?!

- Sim. Afinal, todas as pessoas são pessoas, e, sendo pessoas, todas elas pertencem à parcela da sociedade que corresponde ao todo, à das pessoas, que reúne todas as suas parcelas menores, as minorias, sejam estas ou as minoritárias, ou as maioritárias.

- Legal! Nunca imaginei que isso fosse possível!

- Falamos de homens e mulheres, e de brancos e negros, e de pessoas de orelhas-de-abano, e quanto mais gente incluíamos na nossa conversa mais complexa a coisa ficava.

- Ainda bem que não incluímos os dentuços. Já pensou se falássemos de mulheres negras de orelhas-de-abano e dentuças?!

- Aí a coisa se complexicaria de vez.

- Complexicar-se-ia, mesmo.

- E se os japoneses entrassem na história?!

- Vixe Maria! Ainda bem que prudentemente da história os excluímos antes de nela os incluirmos.

- Fizemos bem!

- Se fizemos!

Ilustre Desconhecido
Enviado por Ilustre Desconhecido em 27/08/2023
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