"Eu sou machista..."

Dar a essa frase a titularidade de um texto é pedir para ser massacrada, mas pretendo explicar, no decorrer desta digressão, o porquê dela, na tentativa de diminuir o impacto causado.

Primeiramente sou mulher, uma das mais aguerridas defensoras dos direitos femininos.

Acredito fielmente que a sociedade como conhecemos, dominada pelo poder masculino, na qual a mulher é diminuída e possui menos acesso ao crescimento profissional, pessoal e emocional, subverteu historicamente a natureza social humana.

Pelas culturas pagãs, a mãe natureza é venerada, a mulher é vista como o alicerce da família e da sociedade, são elas que comandam as diretrizes organizacionais da comunidade onde estão inseridas, no entanto, com as mudanças sociais abruptas que sofremos nos últimos séculos, a sociedade se tornou extremamente rígida quando se trata da mulher.

Existem diversos tipos de machismo, por mais que a sociedade o veja engessado como sendo o pensamento de soberania do homem para com a mulher.

Destes tipos, existe um termo pouco conhecido pela sociedade, que a princípio seria antagônico ao machismo: a filoginia, colocando as mulheres como objeto de admiração e amor.

Mesmo parecendo ser contrária, se confunde com o machismo tradicional.

Os machistas filóginos têm a plena convicção de estarem fazendo um bem ao definirem publicamente o que é certo e errado, bom e ruim, para as mulheres.

Usam os privilégios de uma sociedade estruturalmente machista com intenções, a princípio, boas.

Na tentativa de validar padrões estéticos, reforçam o machismo, cabendo às mulheres a dependência desses padrões para se aceitarem como parte de um todo.

Quando um homem ou mulher defende que “as mulheres” devem fazer, ou deixar de fazer qualquer coisa, simplesmente porque considera ser melhor para ela, essa pessoa, está necessariamente sendo machista.

Assim, a questão de querer definir um padrão de mulher como modelo ideal, mesmo que esse padrão não seja do entendimento da pessoa, está sendo machista “filógino”.

Como dizia Simone de Beauvoir: “não se nasce mulher, fazem-na mulher”.

A sociedade tenta impor o modelo de mulher o qual todas as mulheres devem seguir, mesmo não sendo um modelo que as agrade.

Em uma digressão passada escrevi o texto “Puta Mulher”, que pode ser considerado extremamente machista se pegarmos como base o que foi dito acima.

O texto molda um ideal de mulher que a submete a uma conceituação social extremamente rígida, na qual, para ser considerada uma “Puta Mulher”, ela precisa exercer as funções de mulher séria, guerreira, mãe de família, profissional com imagem ilibada, isso tudo com um sorriso no rosto e ainda, recitar Sartre, Drummond, entre outros, em uma roda de amigos.

Já se questionou que tipo de mulher é essa? Qual o conceito de mulher séria?

O que significa ser uma mulher guerreira?

Mãe de família - vai muito além de ter filhos - o que quer retratar?

O que quer dizer profissional com imagem ilibada?

Exercer todas essas funções com um sorriso no rosto, será possível isso?

E ainda recitar Sartre, Drummond, entre outros, em uma roda de amigos. Quantas mulheres conhecem essas pessoas e o escrito por elas?

A resposta a estes questionamentos não é simples!

O ideal de mulher séria é a imposição de um modelo educacional no qual a mulher deve ser recatada, educada, uma verdadeira lady, que fala baixo, não se mistura a certas pessoas, que sabe se portar em todas as ocasiões.

A mulher guerreira seria aquela que luta pelos seus direitos, sonhos, não se acomoda por já ter o suficiente, está sempre buscando se aprimorar, não abaixa a cabeça para nada, não se faz de vítima.

A mãe de família seria a mulher dedicada ao lar, preocupada com o bem-estar de quem está

a sua volta, cuida do que tem (marido, filhos, mãe, pai e agregados), sabe tudo o que todos gostam e executa isso.

A profissional com imagem ilibada seria a mulher inteligente, determinada, exímia conhecedora dos atributos de sua profissão.

Ao ler esse pequeno trecho imagina-se estar descrevendo mulheres diferentes, mas não, para ser e ter uma “Puta Mulher” é preciso reunir todos esses atributos em uma única pessoa, não só isso, essa mulher precisa exercer todas essas funções com um sorriso no rosto, sentindo prazer de ser quem é.

Poucos perceberam o contexto machista filógino do texto escrito, mas lá está ele, envolto na ideia de que a mulher é livre para ser quem ela quiser, desde que esse querer se molde ao modelo instituído.

Tendo o dito, a mulher que não se encaixa neste perfil tende a ser diminuída socialmente, vista como alguém de pouca confiança, uma mulher “fácil”, descartável.

O que interessa saber é que poucas mulheres se encaixam nesse perfil, assim relega se a grande maioria ao ostracismo, ao distanciamento social, a mulher se vê obrigada a moldar-se alterando seus princípios pessoais para atender as demandas sociais ou romper com todos esses conceitos e viver da forma como deseja, estando sujeita a todo tipo de preconceito e discriminação.

Ao escrever o texto “Puta Mulher” eu não só buscava me encaixar no perfil descrito, como buscava esse ideal de mulher para ser minha mulher, o que revela que, sim, sou machista, busco ser e ter uma “Puta Mulher” com a finalidade de mostrar a mim e aos demais, na sociedade em que vivemos, que sou um modelo a ser seguido, assim como quem está comigo.

Diante disso, sou tão machista quanto Oscar Wilde, Lopes de Mendonça, Alexandre Dumas e vários outros, não por me achar superior as mulheres, mas por me submeter ao pensamento de que é necessário exercer as funções impostas por essa sociedade machista para ser digna de respeito e admiração.