Pétalas e gavetas: In memoriam.

Nesta semana lembrei de um fato que na época não havia chamado tanto a minha atenção, mas que hoje, especialmente hoje, fez com que eu refletisse e divagasse entre as ideias. Minha avó faleceu em 2015. Recordo-me do quanto aquela semana foi difícil a todos nós, porque a morte não se encerra no sepultamento, mas segue um ritual próprio de despedida. Dia a dia, semana a semana... a gente vai tentando ressignificar a vida com os caquinhos da partida do ente querido – e às vezes passamos a vida inteira nessa tentativa sem obter o êxito tão almejado.

Pois bem, vamos às lembranças. Além do velório e do enterro, há uma série de rituais que executamos ao passar pela dor do luto, e uma delas é mexer nas coisas que eram do falecido. Começamos, eu e minha mãe, pela velha cômoda que acompanhara a minha avó por tantos anos. E uma surpresa já deu às caras na primeira gaveta: lá estava uma antiga caixinha com sabonetes, o presente que havíamos oferecido no Dia das Mães de 2011. Nossa! A nostalgia imediatamente tomou conta de mim!

Recordo com vivacidade a alegria da minha avó em receber a embalagem que lembrava uma flor com vários sabonetes em forma de delicadas pétalas. Sentei na cama, segurei aquela caixinha e me dei conta do tempo que havia passado: 4 anos guardada no fundo de uma gaveta escura e com cheiro de naftalina.

Infelizmente Dona Tereza nunca usou nenhum dos sabonetes, tampouco deixou-os para aromatizar a gaveta, já que a embalagem seguia lacrada desde o dia em que recebeu... Talvez ela tenha achado o mimo tão lindo que decidira guardar e usar num momento oportuno... momento esse que também nunca chegou. A data de validade dos sabonetes já estava pra lá de ultrapassada: 2012. Não havia o que fazer a não ser comentar com a minha mãe sobre a inusitada situação. Descartamos a caixa com os sabonetes, uma representação daquela lembrança tão linda que ganhou vida em maio de 2011.

Ao jogar a caixinha no lixo, fui tomada por um forte sentimento: como teria sido receber um abraço da minha avó com aquele cheirinho de lavanda? Como seria para ela a sensação de usar os sabonetes num banho quentinho depois de um dia corrido entre os afazeres da casa? Nunca saberei. Minha avó também nunca saberá.

Essa lembrança veio à tona como uma pancada forte para uma realidade que muitos de nós negligenciamos: quantas vezes, ao longo da vida, adiamos sonhos, paixões e aventuras esperando por um amanhã que pode nunca chegar? Minha avó esperou pelo "momento certo" para desfrutar dos sabonetinhos, e esse momento nunca veio. A caixinha permaneceu intocada, a gaveta se fechou e, com o passar dos anos, a validade expirou, transformando aquelas pétalas perfumadas em lembranças esquecidas.

E não é só sobre os sabonetes, é sobre as oportunidades que adiamos, os projetos que procrastinamos, as palavras não dizemos. É sobre a ilusão de que a vida é infinita, quando, na verdade, é efêmera como uma pétala que se desfaz ao vento.

Minha voinha, como era carinhosamente e nordestinamente chamada, me deixou uma lição valiosa além daquela caixinha de sabonetes vencidos: o lembrete de que não devo e nem posso esperar o "momento certo" para viver o que precisa ser vivido. Parece papo de coach, mas não é! Precisamos aproveitar cada instante, cada oportunidade, cada pequeno prazer que essa breve jornada nos oferece, afinal, não sabemos quanto tempo nos resta.

A vida é uma jornada incerta, meus amigos. Repleta de curvas inesperadas. É uma ampulheta. Quanto tempo me resta? Quanto tempo te resta? Ouça o Tic-tac do relógio! Algumas perguntas não têm respostas. Epitáfio, canção de Titãs, traz uma emblemática letra que diz “Devia ter arriscado mais e até errado mais, ter feito o que eu queria fazer...”. Pesado, hein? Abre um leque de possibilidades e reflexões distintas, mas isso já é pauta pra uma próxima crônica.

A realidade é que não vale a pena esperar que a validade do que realmente tem valor expire. E hoje, ao lembrar daquela a caixinha de sabonetes, recebo como um “sacode” a ideia de que a vida é feita de momentos, e que são esses momentos que a tornam única e preciosa. Isso aqui é sobre não esperar o momento certo. Se há vida, todo o momento é certo.

Lívia Couto
Enviado por Lívia Couto em 01/09/2023
Reeditado em 01/09/2023
Código do texto: T7875726
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