ELAS FAZEM A DIFERENÇA

  Há quase trinta anos, conheci no interior da Paraíba uma pessoa da qual jamais me esquecerei. Era professora e ministrava aulas num espaço minúsculo a um grupo de alunos, todos sentados no chão.

          Ali foi onde eu pude conhecer o significado e a intimidade extremas das palavras “ausência” e “presença”. Ausência do poder público, ausência de espaço, ausência de material escolar, ausência de móveis, de ventilação...

          Entretanto, o que me mais me chamou a atenção naquele vazio, naquele mundo, justamente por eu também ser professor, foi a inexistência de um quadro negro.

          De repente, olhei de um canto ao outro e me deparei com algo que me chamou a atenção: dependurada diante da turma, encostada à parede de taipa e pênsil do teto por duas tiras de couro havia uma estrutura de madeira disposta na horizontal. Aquilo assemelhava-se a uma dessas portas construídas com várias tábuas, rusticamente lavradas a machado, tão comuns ainda nos confins do Brasil.

          Naquele pedaço de madeira, havia no momento em que entrei, uma história escrita em umas poucas linhas.

          Contudo, ali naquele mundo de ausências, em meio ao nada, havia a presença extraordinária de uma mulher. Era dona Lídice, lembro-me bem.

          Dona Lídice, já com mais de setenta anos certamente, tinha no rosto todas as marcas que o tempo e o sol nordestino poderia lhe ter deixado.

          Aproximei-me do quadro improvisado e comecei a ler o que estava escrito, até pela força do hábito e pela curiosidade.

          – Me perdoe os erros. Me disseram que o senhor escreve livros – disse-me ela à meia voz.

          Terminado de ler o texto, meus olhos se detiveram em duas pequenas peças de metal afixadas por pregos na parte superior do “quadro negro”. Eram dobradiças, não tive dúvida.

          Com um sorriso dona Lídice adiantou:

          – É a porta de minha casa. Trago todos os dias. À tarde levo de volta porque onde moro venta muito de noite.

          Aquela mulher única trazia, às costas todas, manhãs a porta de sua própria casa para lhe servir de base para as letras e os números que ensinava aos seus alunos.

          Agora vale um pergunta: se a pessoa que estava diante de mim naquele momento fosse um outro tipo de profissional seria capaz de tamanha grandeza e sacrifício?

Gilberto Martins
Enviado por Analiamaria em 02/09/2023
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