O TRENZINHO DAS ONZE

Início de Dezembro de 2020.

_ Dona Marilza Santos Silveira, senta, por favor, pra não cair dura.

_ Ai, ai, ai, filha! Lá vem bomba. Fala logo, por favor.

_ Mãe, eu tive uma grande ideia e estou decidida a fazer.

_ Vou comprar uma locomotiva e um vagão.

_ Filha, eu escutei direito?

_ Sim, mãe. Amanhã mesmo irei à empresa que tem concessão das antigas locomotivas e vagões, aqueles que faziam o trajeto Belo Horizonte – Montes Claros, cujo fim ocorreu em 1992.

Vou fazer uma oferta, comprar e reformar para uso.

_ Pra que isso tudo, filha?

_ Pra rodar de Uber com ela, mãe.

_ Filha, você está usando drogas? Fala comigo, vamos conversar e procurar ajuda.

_ Kkkkkkkkkk!

Não, em parte é brincadeira minha. Vou explicar mãezinha. É que decidi criar um torneio de xadrez on line que deverá ocorrer todos os dias. E, como o nome escolhido foi: O Trenzinho das Onze na Estrada Real, pensei em dar um ar de fantasia ao nome escolhido e aprovado por alguns amigos. Nada melhor que imaginar uma locomotiva e um vagão, a princípio.

_ Mas, por que isso tudo, filha? Só para jogar algumas partidas on line? Você já tem tanto trabalho no hospital!

_ Mãezinha, eu não vou nem jogar, mas quero dar minha contribuição para o xadrez on line brasileiro.

_ É, já vi que não vou conseguir nem dormir esta noite, preocupada com você, minha filha. Vai, filha, faça o que você quiser, pois como disse há pouco, está decidida. Mas, não venha chorar depois, correndo para meus braços. Filha, depois de setembro, tenho te visto triste, às vezes. Saindo de grupos de xadrez e procurando formas de colocá-los em atividades, com torneios.

_ Mas, lembra, mãezinha, os torneios temáticos que realizamos? O torneio “Chica da Silva” e o torneio “Juscelino Kubitschek? Pois é, o grupo e eu ficamos muito felizes com esses torneios.

_ Mas, filha, e se os problemas decorrentes do torneio e do grupo te entristecerem de novo?

_ Não se preocupe, mãe, pois o Trenzinho é o filhinho amado pela maioria, fruto de experiências anteriores, sejam elas tristes ou felizes.

_ Filha, mas por que os nomes: Estrada Real e Trenzinho das Onze?

_ Mãe, tu bem sabes que sou apaixonada pela cidade de Diamantina e arredores, e, desde que Diamantina passou a fazer parte da “Nova Estrada Real”, a partir de 1729, momento em que foram descobertas pedras preciosas e diamantes na região, a coroa portuguesa, então, criou esta estrada ou caminho por onde deveriam transitar aqueles que transportariam os minerais de valor, e, claro, pagando impostos.

Com relação, ainda, a Diamantina e região, fico imaginando como seria olhar tudo, daqui de Montes Claros? Claro que só imaginação, pois são 170 km de distância, em linha reta. Mas é que não me sai da memória, as lindas paisagens que compõem a região: montes, serras, vales e cachoeiras.

Mãe, essa Nova Estrada Real, criada no século XVIII, começou no Rio de Janeiro, passando por Ouro Preto e, findando em Diamantina. Enquanto que a velha estrada começava em Paraty e seguia até Vila Rica, hoje, Ouro Preto.

Mas, voltando ao assunto, mãezinha. Não vou conseguir ficar feliz se não puder contribuir com o nosso xadrez e não colocar o meu plano em prática: que é criar esta locomotiva virtual, capaz de percorrer, como num passe de mágica, todo nosso País, mesmo por onde não houver trilhos, em busca de competidores às cinco para às onze da noite, e devolvê-los sãos e salvos à meia-noite e cinco, logo que acabar o torneio.

Foi por isso, mãezinha, que desejei comprar essa tal locomotiva com um vagão, e, que, por sinal, estão em péssimo estado de conservação. Imaginei trocando meu uniforme branco, de médica, por um macacão de mecânico, para reformar esta máquina.

Sabe, mãezinha, já até imaginei a senhora brigando comigo por chegar bem tarde em casa, com as roupas e mãos sujas de óleo e graxa, kkkk.

_ Misericórdia, filha. Longe disso. Seu trabalho é salvar vidas! Ou, contribuir para isso!

_ Sabia, mãezinha, que a última viagem do trem que cobria o trecho: Montes Claros - Monte Azul, bem próximo à fronteira da Bahia, aconteceu em quatro de setembro de 1996, há 24 anos.

Não sei por que, mas essa data de setembro mexe comigo. Deixa pra lá, só um pensamento, mãinha.

Era chamado o Trem do Sertão e de Monte Azul, quase na divisa com a Bahia, havia outro percurso que chegava até Salvador.

Mãezinha, irei dormir e, espero sonhar um pouco com o Trenzinho das Onze.

Quatro de setembro de 2023, bem de manhã.

_ Mãe, mãe, vou tomar só um pouquinho de café e sair rapidinho, pra voltar mais cedo para casa, pois hoje é um dia muito, muito especial.

_ Calma, filha. Por que tanta pressa?

_ Esqueceu, mãezinha? Que hoje iremos iniciar a semana dos mil dias do “Trenzinho das Onze”?

Pois é, mãezinha, mil dias do “Trenzinho das Onze”. Nós conseguimos, mãe. Graças a muita gente que nos ajudou por todos esses mil dias. Muitas e muitas histórias pra contar, decorrentes desses dias ininterruptos do nosso torneio de xadrez, todos os dias, às onze da noite.

Só mais uma coisa, mãezinha. Antes de eu sair pra trabalhar, por diversas vezes, enquanto voltava do trabalho para casa, ouvia no meu imaginário:

“Aí, óia o trem, vem surgindo detrás das montanhas azuis, óia o trem”.

Ou, quando, algumas vezes, me despedindo dos colegas do trabalho e doida pra chegar a casa antes das onze da noite, vinha à minha mente, esta canção inspiradora:

“Não posso ficar, nem mais um minuto com vocês...

(...)

Se eu perder esse trem, que sai agora às onze horas, só amanhã de manhã.

BETO CAPEL MOLINA
Enviado por BETO CAPEL MOLINA em 06/09/2023
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