Distantes II

Minha vizinha deu à luz esses dias. Como previ, fiquei sabendo por acaso, ao escutar o choro do bebê de madrugada. Para quem não se lembra ou não faz a mínima idéia do que estou falando, escrevi há pouco tempo sobre a distância que tomamos de pessoas próximas, nesses tempos de corre-corre atrás do cumprimento de inúmeros compromissos. E um dos exemplos foi a gravidez da minha vizinha, com quem divido parede, que descobri quando ela já estava aos seis meses de gestação.

Pois então, aconteceu. Numa madrugada dessa semana, após fechar a casa e deitar para tentar dormir, escutei, bem baixinho do outro lado da parede, aquele choro frágil de bebê recém-nascido. Sentei na cama e fiquei extasiada com a notícia. “Que lindo, ela ganhou neném!” A sensação foi a mesma de estar sendo comunicada por alguém. Me afundei novamente nos travesseiros e peguei no sono feliz pela mais nova mamãe das minhas relações.

E que relação estranha. Não só com a minha vizinha, mas com muitas outras pessoas com quem até tenho amizades duradouras, mas com pouquíssimo contato. E por isso estou novamente a falar sobre comportamentos esquisitos os quais acabamos por considerá-los corriqueiros. Afinal, quem está livre desse tipo de ‘convivência’ atualmente? Eu e minha vizinha entramos e saímos de casa e praticamente não nos vemos. Em nove meses de gravidez eu a encontrei duas vezes! E acho tão normal essa relação que fico feliz, mesmo sendo noticiada do nascimento do bebê às duas da manhã pela parede do meu quarto e quase comemoro. E não me pergunte o sexo do bebê. Isso já seria demais.

Às vésperas do Natal recebo um email de uma amiga que não vejo há muito tempo. Quando nos falamos é pela internet, mas mesmo por esse meio já não nos encontramos faz meses. Em menos de dez linhas ela contou tanta novidade que fiquei até sem fôlego diante da tela do computador e uma das notícias me reportou ao caso da minha vizinha e seu bebê. A filha da minha amiga está grávida.

Caramba! Esta foi a primeira palavra da minha resposta. A notícia misturou saudade, com uma ponta de tristeza pela nossa distância, as memórias de tempos que atuamos juntas em trabalho assistencial comunitário e, principalmente, a lembrança da filha ainda criança, me chamando de tia. Agora, mulher, espera um filho e provavelmente não verei esta gravidez. Com certeza vou curti-la de longe, recebendo informações sobre a gestação por email. Mesmo assim é ainda melhor que a minha relação com minha vizinha de parede.

Em época de Natal ficam muito mais gritantes essas distâncias. Será que alguém ainda presta a atenção nisso? Houve tempos em que no início de dezembro as caixas de correio já ficavam abarrotadas de cartões de felicitações natalinas. Hoje em dia, alguns poucos chegam por email e normalmente são spams de empresas que apenas cumprem sua programação de marketing.

Voltando ao bebê da minha vizinha, espero o dia em que nos encontraremos por acaso, chegando ou saindo de casa. Assim poderei conhecer a criança e até saber o sexo para, quem sabe, providenciar um presente. Difícil saber quando vamos nos esbarrar.

Giovana Damaceno
Enviado por Giovana Damaceno em 22/12/2007
Código do texto: T788200
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