DOIS AMORES (3)

Posso vê-lo deitado, o corpinho encolhido numa posição fetal – pois quando sofremos muito, como quando temos frio ou medo, procuramos nos encolher, como se, diminuindo o espaço ocupado, diminuísse também a área sofrida, dando-nos assim a sensação de controlar melhor a dor ou o frio – sentindo o coraçãozinho bater descompassado – ora muito rápido, como para acelerar o tempo e trazer logo o momento tão esperado da chegada da mãe, ora parando bruscamente, ao menor ruído que ouvia, sobressaltado pela emoção de que já pudesse ser ela – a respiração curta e ofegante, os lábios apertados e murchos como a flor sem água, esperando pela mãe, pelo seu beijo, pelo breve contato com aquela que era sua razão de viver, seu tudo, que contrastava com o nada que era tudo o mais em sua vida.

Aquele lapso de tempo que lhe traria a felicidade suprema tinha para ele uma paradoxal significação: era o mais ditoso, pois traria a graça maior do dia – o beijo da mãe – mas era também o mais doloroso, pois “anunciava aquele que viria depois, em que ela me deixaria, voltando para baixo.” Aquele momento de extrema felicidade, aquele “único consolo” de um dia inteiro, vivido só para ele, à sua espera, aquele único beijo que o faria dormir e começar a espera pelo próximo, na noite seguinte, era tão fugaz e insuficiente, que ele desejava retardá-lo o mais possível, como quando comemos vagarosamente o último pedaço do doce preferido, com medo de que se acabe logo.

Ele sabia, pelo hábito, que a chegada da mãe, o beijo de boa noite e sua saída do quarto, mergulhando-o novamente na dolorosa solidão, no inevitável abandono, não duraria mais do que alguns segundos; ele desejava, então, retardá-lo o mais possível para, assim, adiar também o sofrimento que se seguiria àquele momento de júbilo.

(continua)