MANTEIGA DE MOLICO

Ao chegar a época de escolher qual curso superior fazer, eu escolhi Letras, porque eu gostava muito de inglês e de português. As causas foram duas: eu tirava ótimas notas nessas disciplinas e tinha professoras muito competentes. Maria Consuelo Quitiba Lofêgo, Luzia Pandolfi e Angelina Marchiori taught me the Shakespeare’s language; Lúcia Bortolotti, Arlêne Campos, Antonieta Banhos Fernandes e Janir dos Santos Giuberti me ensinaram o idioma de Camões.

Ao longo de mais de três décadas atuando em escolas, eu aprendi que a educação é algo fascinante, porque por meio de metodologias específicas, de técnicas, de muito diálogo, de empatia e de uma generosa dose de amor, a gente consegue transformar positivamente as vidas de crianças, jovens e adultos.

São incontáveis os alunos que passaram por minha vida, quer tenhamos nos encontrado no Instituto de Idiomas Yázigi de Linhares, no Polivalente de Linhares I, no Marília de Rezende Scarton Coutinho, no Emir de Macedo Gomes, no Bartouvino Costa, no Ceisc, na Faculdade Unilinhares, na Faculdade Pitágoras de Linhares, no Colégio Cristo Rei ou no Colégio Ouse. Tenho grande prazer quando eu os encontro e sinto nos abraços e beijos que trocamos, que nossos carinho e alegria são recíprocos.

Chegaram as aposentadorias e eu poderia ficar apenas cuidando de casa e de minha família, mas isso não é fácil para mim que sempre conciliei três horários de trabalho, além das atividades fotográficas que eu desenvolvia nos finais de semana. Acresça-se a isso o fato de que considero um grande desperdício eu não estender a quem me valoriza tudo o que aprendi e ensinei, desde 1976, quando entrei pela primeira vez em uma sala de aula.

Pensando assim, ao ser convidada por Gilcélia Santos Guimarães, uma querida ex. aluna, hoje pedagoga no PRL, para participar, no dia 20 de setembro de 2023, de um Chá Literário junto a cerca de 30 detentos, que estão cursando o Ensino Médio naquele local, aceitei prontamente.

As três razões pelas quais eu aceitei são as seguintes: a) tenho prazer em agir em favor da educação; b) há muito pouco mérito em “fazer manteiga com leite gordo” (trabalhar com gente muito inteligente ou que socialmente é privilegiada); e c) o grande desafio é “fazer manteiga com leite Molico” (pessoas que, por diversos motivos, têm dificuldades para aprender).

Na manhã daquele dia, eu e outra convidada, a professora Zilda Maria Fantin Moreira, fomos muito bem acolhidas pela Gilcélia e pela professora de Língua Portuguesa e Literatura, Raquel Ferreira dos Santos. Fiquei gratamente surpresa ao descobrir que aquele local está bem melhor do que quando, em 2008, eu participei de um trabalho organizado pela Unilinhares em comemoração ao Dia das Mulheres.

Eu e Zilda Fomos levadas à Rádio PRL que funciona no interior daquele local e pudemos nos comunicar com todos os internos, que estavam em suas celas. Em seguida, fomos convidadas a irmos a um local muito lindo chamado “Recanto Humanizado”. Passamos pela quadra e seguimos por um caminho sinuoso, ladeado por bem cuidada vegetação à direita e por lindos animais como gansos, patos, galinhas, faisões, galinhas de Angola e passarinhos, à esquerda.

Atrás de nós vinham cerca de 30 detentos, em fila indiana, andando com as mãos para trás, vestidos com camisetas e bermudas de cor laranja e calçando chinelos pretos. Eles eram liderados pelo Chefe de Segurança, Yander de Oliveira e acompanhados por mais dois vigilantes. Em poucos minutos, nós todos chegamos a um lindo local, onde havia uma espécie de grande pergolado circular, coberto por vegetação e flores. Pendurados a partir do teto estavam os livros de literatura clássica como Escrava Isaura, Lucíola, Memórias Póstumas de Brás Cubas, O Cortiço, Dom Casmurro..., utilizados pelos alunos durante o desenvolvimento do projeto de estímulo à leitura.

Naquele local, fomos convidas a nos apresentar, nos pronunciar sobre a importância da leitura e tivemos a oportunidade de ouvir alguns detentos relatando suas impressões acerca das obras que leram. Pouco tempo depois, fomos levados a uma espécie de galpão gradeado, pintado de cores claras, onde havia cadeiras plásticas para que todos nos sentássemos e, à frente, duas grandes mesas, onde havia bandejas com bolos variados, café e chá.

O Diretor do Presídio, Vinícius de Mendonça Narcizo se pronunciou para a plateia, enalteceu o trabalho das professoras e reforçou junto aos detentos que o “Recanto Humanizado” fora criado para que os detentos de bons comportamentos pudessem receber ali as visitas de suas famílias. Nessa hora, reparei que se iluminara o rosto de um rapaz que, até então, tinha um ar fechado, demonstrando desesperança.

Voltei com a sensação de que todos nós, usando conhecimento, respeito e consideração, tínhamos fornecido três ingredientes básicos para que 30 seres humanos “virem manteiga”, pois creio que, juntos, nós conseguimos abrir janelas em suas mentes, acender luzes nos finais dos túneis e despertar esperanças por dias melhores.

NORMA ASTRÉA
Enviado por NORMA ASTRÉA em 26/09/2023
Reeditado em 27/09/2023
Código do texto: T7894876
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