CORAÇÕES LAVADOS

Enquanto separava a roupa suja para colocá-la na máquina de lavar, meus pensamentos foram invadidos por uma imagem veiculada no noticiário daquela manhã : a explosão de um quarteirão inteiro , em uma rua qualquer no Oriente Médio. Os gritos, a destruição e o rosto assustado das pessoas formavam uma moldura de perplexidade e assombro em um suposto quadro de fé. Nunca consegui entender a força da destruição movida pelo sentimento religioso. Nunca consegui entender porque o amor pode gerar ódio. Nunca consegui entender a insólita razão que motiva homens e mulheres a se odiarem em nome da fé.

Sacudi a camisa azul-royal do uniforme de futebol de meu adolescente e me lembrei das inúmeras vezes que eu lhe falei do amor de Deus. Ainda bebezinho, eu o ninava nas dolorosas madrugadas de cólicas e otites, cantando : “ Deus é tão bom . Deus é tão bom ...” Quando , já um rapazinho de cinco anos, me procurou com os olhos molhados buscando a cura em meu abraço porque o coleguinha quebrou seu carrinho novo, eu lhe ensinei o que aprendi com o Rabino da Montanha : “Dê-lhe a outra face...” : lembre-se de como é bom brincar quando os carrinhos não são destruídos.

Enquanto colocava na máquina o imundo calção do craque do meu coração, eu me lembrei de uma manhã de setembro quando o mundo chorou sua insegurança e angústia e precisei explicar ao meu campeão que alguns corações não entendem que amar é viver em diferenças. Pouco pude falar , estávamos estarrecidos em demasia. Mas, o silêncio, em nosso momento de gratidão a Deus pelo alimento, tatuou para sempre em seu jovem coração : “Quero amar a um Deus que nunca me dê vontade de matar alguém”

As roupas foram mergulhadas em um bojo contendo um líquido espumante e alvíssimo: após um período as roupas enodoadas receberiam o perfume e a brancura da limpeza. Por seus canos de saída, a máquina expulsaria a água suja , levando consigo o feio e mal cheiroso resquício da vida.

Continuo não entendendo os corações que odeiam em nome do fé.

Talvez alguns corações não consigam perceber que acima de ideologias, religiosidades , liturgias e templos existe um Afeto, uma Querência, um Caminho.

Queria encontrar uma grande maquina de lavar corações. Enquanto este mágico dia não se me apresenta, lavo o meu,,cada manhã. Mergulho minha alma na limpidez de uma História de Amor e descanso os meus olhos marejados e sofridos pela Dor da Humanidade em um Jovem Galileu que a despeito de seus irmãos de fé, me ensinou a olhar com ternura e paciência ao publicano, a prostituta, ao ladrão...e ao sacerdote.

Vivian
Enviado por Vivian em 30/11/2005
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