A CASA DA NONA

A CASA DA NONA

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“Nona” era como chamávamos a avó materna, como era costume na época, de chamar os avós de origem italiana, como da mesma forma, de “Nono”, chamávamos o avô.

Moravam num sitio, próximo à minha pequena cidade, num bairro rural de nome Córrego do Bacuri, talvez em homenagem a um tipo de coco nativo, abundante por ali até a terra tornar-se área de pasto e de cultivo de cereais. Ficava no meio do caminho entre a minha cidade e a comarca, a estrada ainda era de terra, mas com pouco movimento.

Para a visita utilizávamos um “veículo movido à tração animal”, também conhecido como carrinho, com duas rodas, e que era puxado por uma égua e levava a família inteira, meus pais e os cinco filhos, duas meninas e três meninos.

Me lembro que a casa era grande, e com meus nonos moravam dois tios, um solteiro e outro que casou e continuou morando na mesma casa, e com o tempo nasceram os primos.

Localizada na parte alta do sitio, era possível ver a frente dela, da estrada que passava próximo ao local, e a varanda à frente se destacava, com seus arcos. Dela era possível ter uma visão geral de boa parte da propriedade, além de uma vasta área, no horizonte, de outros sítios da redondeza. Era uma típica casa de vó, rodeada de flores cheirosas, plantadas onde houve espaço.

Próximo à casa ficava o curral, de onde, em dias quentes e o vento a favor, era possível ser sentido o cheiro característico da mistura de estrume e urina do gado, e o local era utilizado para tirar leite das vacas, ainda de madrugada. Aos poucos os baldes eram enchidos e descarregados em tambores, e ao fim do trabalho, seriam colocados num ponto da estrada, para serem recolhidos e levados até o laticínio na cidade.

Algumas vezes eu e meus irmãos dormíamos na casa, e acordávamos muito cedo, para pedir para a nona, uma caneca com um pouco de café, para ir até o curral e completar com leite fresco, colhido direto da fonte. Com as canecas cheias, voltávamos para a cozinha para comer queijo, pão e bolacha caseiros, tudo diferente para nós, e claro, nos deliciávamos com a tanta comida farta e gostosa.

Era costume à tarde tirar um tempo para acompanhar meus pais para visitar os parentes que moravam nos sítios próximos aos meus nonos, e já sabíamos que não sairíamos das casas, sem apreciar as guloseimas que nos eram oferecidas.

Sobrava muito tempo para brincadeiras com os primos, e explorávamos a redondeza em busca de aventura, mas sempre tirava um tempo para ficar sentado na varanda, observando o papo dos homens adultos, e algo em especial chamava minha atenção: o nono e os tios montando e fumando cigarro de palha.

Se hoje, pareceria uma cena dantesca e sem sentido, na época era muito comum os homens adultos fumarem, gosto do qual nunca compartilhei.

Os passos até chegar ao cigarro pronto para ser fumado, tinha todo um ritual, e que requeria alguns cuidados: era necessário ter por perto palha de milho, um canivete, fumo de corda e um isqueiro, que conhecíamos como binga.

Começava com a escolha de uma palha adequada, que não podia ser muito grossa nem muito fina, mas no ponto. Após escolhida, era cortada na medida certa para o cigarro, e em seguida era alisada com o canivete, parece que, para dar maciez à palha.

Pronta a palha, normalmente era colocada nos lábios, para ter as mãos livres, e o passo seguinte era a cortar fatias pequenas e finas de fumo de corda, até juntar um tanto suficiente para o cigarro, tudo era colocado na palma da mão, e passava por um processo de amaciamento, juntando as duas palmas, que esfregadas deixava o volume de fumo pronto para o passo seguinte.

A palha era tirada dos lábios e era aberta para receber o fumo ao longo dela, então era dobrada devagar até alcançar a forma de um cigarro de caixinha.

O cigarro era levado à boca e o isqueiro era acionado para produzir chama e queimar a ponta, e uma ou duas tragadas fortes eram dadas, para garantir que ficaria aceso.

Começava a parte de meu nono e os tios curtirem seus cigarros, e uma fumaceira danada tomava conta da varanda, deixando um cheiro característico de cigarro, e a prosa corria solta, sempre com pausa para as tragadas.

Claro que não tinha qualquer diversão nisto, o cheiro do cigarro incomodava, mas era uma cena pitoresca, e apreciava a paciência dos fumantes e o papo dos adultos, porque queria saber o que conversavam, imaginando que quando crescesse, também conversaria aquelas coisas que ouvia.

O tempo passou, meus avós faleceram, os tios ficaram morando na casa por um bom tempo, mas como estavam envelhecendo, resolverem que seria melhor morar na cidade e se mudaram para lá.

Num desses passeios à minha terra, passados vários anos, na volta da cidade convenci minhas irmãs e meu pai, que estavam comigo no carro, a dar uma passada na casa dos nonos, para ver como estava e, claro, matar saudade.

Ao chegar próximo à casa, ou ao local onde deveria estar, ficamos todos chocados porque a visão era de muito desalento e tristeza: ela não existia mais e só podíamos observar restos de uma construção no chão, e ver tudo tomado por mato.

Mal conseguíamos identificar onde ficava algum cômodo, e a única referência era um velho forno a lenha, cujos restos nos levava à lembrança de onde ele ficava, e onde se localizava os fundos da casa, o chiqueiro dos porcos e o curral.

Ficava para trás, então, lembranças de um lugar onde passei horas maravilhosas, que me remetia a cheiro de tempero preparado pela nona e pela tia, das coisas gostosas que faziam e apreciávamos, das festas de Ano Novo em família, do cheiro da fumaça do cigarro de palha na varanda e da paisagem rural que era apreciada e proporcionava sensação de paz de espírito, por conta do silêncio, do canto dos pássaros, do vento nas árvores e dos animais pastando ao largo.

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Segue a vida...!

Outubro de 2023

ZAINE JOSÉ
Enviado por ZAINE JOSÉ em 12/10/2023
Reeditado em 25/10/2023
Código do texto: T7906933
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