JOANA DE ANGELIS. (JOANA DE CUSA). MARTÍRIO. GUERRAS.

No ano 68, quando as perseguições ao Cristianismo iam intensas, vamos encontrar, num dos espetáculos sucessivos do circo, uma velha discípula do Senhor amarrada ao poste do martírio, ao lado de um homem novo, que era seu filho.

Ante o vozerio do povo, foram ordenadas as primeiras flagelações.

— Abjura!... - exclama um executor das ordens imperiais, de olhar cruel e sombrio.

A antiga discípula do Senhor contempla o céu, sem uma palavra de negação ou de queixa. Então o açoite vibra sobre o rapaz seminu, que exclama, entre lágrimas: - "Repudia a Jesus, minha mãe!... Não vês que nos perdemos?! Abjura!... por mim, que sou teu filho!...

Pela primeira vez, dos olhos da mártir corre a fonte abundante das lágrimas. As rogativas do filho são espadas de angústia que lhe retalham o coração.

— Abjura!... Abjura!

Joana ouve aqueles gritos, recordando a existência inteira. O lar risonho e festivo, as horas de ventura, os desgostos domésticos, as emoções maternais, os fracassos do esposo, sua desesperação e sua morte, a viuvez, a desolação e as necessidades mais duras... Em seguida, ante os apelos desesperados do filhinho, recordou que Maria também fora mãe e, vendo o seu Jesus crucificado no madeiro da infâmia, soubera conformar-se com os desígnios divinos. Acima de todas as recordações, como alegria suprema de sua vida, pareceu-lhe ouvir ainda o Mestre, em casa de Pedro, a lhe dizer: - "Vai filha! Sê fiel!" Então, possuída de força sobre-humana, a viúva de Cusa contemplou a primeira vítima ensangüentada e, fixando no jovem um olhar profundo e inexprimível, na sua dor e na sua ternura, exclamou firmemente:

Cala-te, meu filho! Jesus era puro e não desdenhou o sacrifício. Saibamos sofrer na hora dolorosa, porque, acima de todas as felicidades transitórias do mundo, é preciso ser fiel a Deus!

A esse tempo, com os aplausos delirantes do povo, os verdugos lhe incendiavam, em derredor, achas de lenha embebidas em resina inflamável. Em poucos instantes, as labaredas lamberam-lhe o corpo envelhecido. Joana de Cusa contemplou com serenidade a massa de povo que lhe não entendia o sacrifício. Os gemidos de dor lhe morriam abafados no peito opresso. Os algozes da mártir cercaram-lhe de impropérios a fogueira:

O teu Cristo soube apenas ensinar-te a morrer? perguntou um dos verdugos.

A velha discípula, concentrando a sua capacidade de resistência, teve ainda forças para murmurar:

Não apenas a morrer, mas também a vos amar!...

Nesse instante, sentiu que a mão consoladora do Mestre lhe tocava suavemente os ombros, e lhe escutou a voz carinhosa e inesquecível:

Joana, tem bom ânimo!... Eu aqui estou!...

Estamos na hora de entender vontades vãs, primado do mundo. Pequenas de honrarias e valores. Reduzidas na forma de amar diversamente, não se amando por não amar o próximo como a si mesmo. Quem ao próximo não ama, nem a si mesmo ama; grande lição.

Grande espaço existente faz nascer um hiato; vazio de compreensão. O mundo vai ceder diante das aflições e dores das guerras, principalmente dessa que acontece agora diante de nossos olhos, conflagrada no mesmo lugar onde se assistiu a maior das dores de todas as épocas, incidente e coincidentemente nascida em meio à sua violência, paradoxalmente pelo amor à humanidade que se perde pelos séculos afora.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 13/10/2023
Código do texto: T7907987
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