DOM CAPPIO E O INSPETOR JAVERT

O primeiro personagem de hoje se chama Dom Luiz Flávio Cappio

Personagem ativo da polêmica transposição do rio São Francisco, arquitetada pelo Governo Federal.

O drama começa quando do lançamento do projeto, cuja execução foi literalmente interrompida pela intervenção “heróica” do bispo que, submetendo se a uma greve de fome, jurou em nome de todos os santos que defenderia o velho Chico até o último suspiro de sua vida. Estava disposto a não se alimentar enquanto o governo não abandonasse a causa. O religioso, na ocasião, demonstrou tanta convicção e determinação em cumprir seu objetivo, que realmente convenceu a todos de que morreria pelos seus ideais, forçando o governo a desistir de implementar o projeto. O episódio terminou com o padre são, salvo e vitorioso, o governo derrotado e livre do estigma da CNBB e os sertanejos morrendo de sede como sempre estiveram.

Nosso segundo personagem, chama-se inspetor Javert, investigador de policia protagonista da celebre obra Os Miseráveis, criado por Victor Hugo. Na ficção, Javert passa toda a vida perseguindo um foragido da justiça a quem jurou prender enquanto vivo fosse. No entanto, no meio da trama, acabou tendo sua vida salva das mãos de assassinos justamente por aquele a quem jurou prender. No final da estória, o inspetor se viu na eminência de cumprir sua promessa, mas nesse momento estava diante do maior dilema de sua vida: deveria, em nome da lei e do juramento que fez, como investigador acima de qualquer suspeita, prender o foragido; ou, deixá-lo livre, como forma de retribuição aquele que outrora salvou sua vida tão misericordiosamente? Sabendo que cometeria uma injustiça em qualquer das duas decisões, o que jamais poderia admitir em seu íntimo, absteve-se completamente, algemando os próprios punhos e jogando-se no rio, tirando assim, a própria vida.

Passados quase dois anos, com o caso esquecido pela mídia e o bispo feliz e bem alimentado, o governo reiniciou seu projeto faraônico para beneficiar os sedentos da caatinga. A polêmica mais uma vez estava instaurada com a reiteração da promessa feita pelo sacerdote, no entanto, dessa vez as coisas seriam diferente, pois quando o presidente Lula afirmou publicamente que preferia salvar milhões (os sedentos) à apenas um (o bispo), e ainda, que se curvasse à vontade do grevista novamente seria admitir a falência do Estado, sentenciou-o a morte.

Se Javert estivesse no lugar de Dom Cappio provavelmente já teria morrido de fome, pois seu juramente valia mais que a própria vida, não se trata aqui de bondade ou maldade, de querer ou não querer a implementação da transposição do rio, mas sim da honra a que todo homem tem de zelar, independentemente do pronome que lhe sirva de tratamento (seja Senhor, Dom, Doutor, Excelência, Magnificência, etc.) ou da designação a qual seja investido (seja investigador, padre, cozinheiro, bispo, político, médico, policial, faxineiro, etc.).

Dom Cappio parece não confiar muito nos santos aos quais confiou sua vida, quebrou a promessa como se nada tivesse acontecido e nem a confortável ida para o reino dos céus, que sua classe tanto prega aos fieis católicos, foram capazes de convencê-lo a morrer pela causa, não que alguém quisesse isso, mas, já que jurou fazê-lo por livre e espontânea vontade, que cumpra sua palavra. Quanto a sua honra, nessa altura dos acontecimentos já deve ter engolido pra matar a fome.

Diante de personagens tão antagônicos só resta uma duvida: se estivesse no lugar do inspetor Javert qual decisão tomaria Dom Cappio?

[rh.24.12.07.15:30]

Ricardo Henrique
Enviado por Ricardo Henrique em 24/12/2007
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