SAUDADES IMPREENCHÍVEIS (Tânia Meneses)

_ Crônica que dedico ao amigo Cláudio Ramos Cardoso _

SAUDADES IMPREENCHÍVEIS

(Tânia Conceição Meneses)

Estou vivenciando um ano de intensas emoções quanto às memórias de pessoas queridas, colegas, amigos e amigas. Muitas das tais emoções são um misto de alegria e tristeza, de lirismos da juventude e de saudades impreenchíveis.

Hoje redescubro, junto ao amigo Cláudio Ramos Cardoso, as figuras de Maria Luísa Cruz, ex-miss Sergipe, de sua irmã, Marta Cruz, minha contemporânea universitária e, ainda, da filha dessa, a Isabela. Ainda posso ver perfeitamente na tela cinematográfica e em technicolor, muitas cenas marcantes. Da Maria Luísa vejo o seu belo porte, a sua tez morena e a sua candidatura ao posto máximo da beleza feminina em Sergipe. Da Marta Cruz me chegam recortes de momentos na antiga Faculdade de Filosofia-FAFI, a menina dos olhos de Dom Luciano José Cabral Duarte.

Universitária em pleno fogo do desejo de conhecer mais e mais sobre o Universo e suas línguas e literaturas ocidentais, estive sempre por perto da Marta Cruz, mas já a conhecia das passadas que dei pela calçada da sua casa situada na Rua Pacatuba. Aracaju, pequenina, era uma família, especialmente para os moradores do Centro e adjacências. Parece burguês, mas sendo ou não, foi bom demais.

Marta Cruz carregava (não sei se ainda está entre nós) um sorriso obrigatório e sincero, doce mesmo. Ah, tá, a FAFI funcionava ali no prédio que atualmente abriga o IPESaúde. Há, no prédio, uma espécie de pracinha que, segundo sabíamos, tinha sido a realização de um sonho dentro do sonho. Dom Luciano teria imaginado aquela pracinha inspirada na cultura romana, pelo que ele a chamava de átrio, que luxo! Nós nos reuníamos sob a sombra das árvores e das amarelas flores das acácias. O espaço nos inspirava, nos sentíamos imperadores e imperatrizes romanos, retornávamos no tempo, dávamos largas à imaginação.

Silvério Leite Fontes ministrando suas aulas no andar superior e a gente atrapalhando. Um nosso colega, Antônio Bernardo (in memoriam), um rapaz humilde, mas que se apaixonara por Hitler, imaginem! Aprendeu a língua alemã por conta própria, que difícil, e empolgado e de pé, sobre um banco de marmorite, bradava o discurso do Führer! Ao findar a fala, esticava o braço para os ares e gritava: “Heil, Hitler!”. Eu e Bernardo éramos os mais doidinhos. E o que eu fazia? Tá, vou narrar.

Eu declamava o Navio Negreiro, do nosso Castro Alves. Aparecia o Professor Silvério na porta da sala e perguntava: “Já soltaram a louca?”. Não havia cansaço para mim e nem eu me fartava de repetir enfaticamente o poema do baiano. Havia até quem se emocionasse às lágrimas.

Na hora do final do turno, por malvadeza, e tendo uma turminha de admiradores da minha declamação, eu parava na entrada principal do estabelecimento e começava a declamar o Navio negreiros. Os colegas de todas as salas se acumulavam para ver e ouvir, iam se sentando no chão, formando um círculo. Eu me sentia uma Cacilda Becker, e a manifestação dos colegas me convencia disso!

Lá se vem Marta Cruz. Chegando ao círculo, ela implorava, fazia cara de choro e dizia: “Não, Tânia, hoje nãoooooooooooo. Estou morta de fome! Pare!”. Eu respondia, em tom de brincadeira, que não a havia obrigado e que ela podia ir para casa almoçar. Aí que ela ficava mais nervosa: “Nãoooooooooooooooo, Taininha, como eu vou conseguir sair daqui sem ouvir você até o fim?”. Era problema dela, o meu era o Castro Alves e suas cenas poéticas dantescas:

“E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .

E da ronda fantástica a serpente

Faz doudas espirais...

Qual um sonho dantesco as sombras voam!...

Gritos, ais, maldições, preces ressoam!

E ri-se Satanás!...”