O critico.

Estava há três dias sem escrever. Nada vinha a mente. Nem uma linha, nem uma palavra. Não deveria, mas não conseguia deixar de pensar no que dissera o critico. Tá certo, não era um escritor, nunca se denominou escritor, seus livros têm vendido razoavelmente, não era um José J. Veiga, no entanto já foi comparado a ele e, no lançamento do terceiro romance, um critico o comparou com Clarice, chamando-o de Clarice de calça. Ficou na dúvida, não sabia se o cara estava elogiando ou não, mas sentiu-se grato, pois Clarice é para ele o ponto supremo da literatura. O importante, o que lhe disseram uma vez, é gostarem do que escreve e, quanto a isso, parece que é um fato positivo. Então para que se preocupar com uma critica de alguém que nem o conhece? E ele por sua vez, nem tinha prazer em conhecer tal figura. Critico é um cara frustrado, pensa que sabe escrever, mas não passa de escritor resenhista para preencher os espaços nos jornais. Não há bons críticos, hoje em dia é só lixo. O que o deixou com raiva, não foi a critica em sim, mas o tom como foi escrito, “escritor que não o conheço nem mais magro e nem mais gordo, não tem nada de arte, é pura pornografia barata...” e etc...

Há certos críticos, por serem críticos, se acham na obrigação de terem uma cultural imensa, de saberem mais que o escritor. Até aí tudo bem. O que há de deplorável neles, é fazerem uma critica colocando o escritor lá embaixo, como se ele, o escritor, fosse à ralé, estivesse abaixo dele, e, ele, o critico acima do escritor. O que estraga um pouco é a prepotência, o certo orgulho de poder dizer isso ou aquilo, ao ponto de pejorativamente, relegar o escritor ao limbo, ao esquecimento. Não há uma critica neutra, que separe o indivíduo do critico, ele, indivíduo e critico coloca tudo no mesmo saco e dá-lhe pancada. Lendo uma critica, percebe-se que o critico se alça acima do escritor, como se dissesse: eu sou melhor que você. O que ele não sabe é que todos são iguais, não há um melhor do que outro.

Nisso viu na calçada um objeto brilhante chamando-o atenção. Pensou: se eu esticasse a mão, assim, ou com o dedo apontasse para esse objeto e ele viesse a minha mão sem que eu precisasse me abaixar, será que eu seria melhor que todos só por ter esse dom? E ao mesmo tempo em que formulava a pergunta, esticou o dedo para objeto e, esse, “subiu” até a sua mão. Olhou para os lados, ninguém percebeu o que ele fizera. Rapidamente enfiou o objeto no bolso. Não iria revelar para ninguém o poder que adquirira. E, também, sentiu que com isso não mudaria seu modo de pensar, nem de agir e nem de tratar os outros diferentes do que já vinha tratando. Não é por ter um dom, que se sentiria superior.

Ao atravessar a Avenida Paulista, teve a nítida certeza que nada mudaria nele, tivesse dom ou nenhum dom.

Pastorelli
Enviado por Pastorelli em 16/10/2023
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