PAPAI NOEL ME ESQUECEU
 
Tudo se encaminhava para aquele natal ser diferente. Divergindo no casamento já há algum tempo meus pais acabaram por se separar. Com oito anos de idade passei a sentir o peso de ser o filho mais velho além de ser o único filho homem. Minhas irmãs menores que eu não aceitavam a ausência do nosso pai e a todo instante perguntava por ele a minha mãe e ela respondia que ele estava trabalhando. Minha mãe esmerava-se na máquina de costura até tarde da noite no afã de dar conta das encomendas das freguesas, tentando conseguir algum dinheiro com esse trabalho. Para piorar a situação, meu pai havia sido assaltado ao sair do banco e levaram todo o seu pagamento de um mês de trabalho.
Passei o ano todo procurando na medida do possível me comportar e ser um aluno aplicado. Enfim chegara a véspera do natal. Este certamente é o dia mais longo para toda criança porque a ansiedade é enorme de receber os presentes do Papai Noel. Como de costume, às vinte e uma horas já estava deitado. Precisava pegar no sono pois o bom velhinho só dava presente para criança que dormia cedo. Antes de deitar peguei meu par de Congas e coloquei no beiral da janela com um bilhete que dizia o que eu gostaria de ganhar. Estava escrito no bilhete: “Papai Noel me comportei direito o ano todo, ajudei minha mãe nas tarefas de casa, fui bonzinho com minhas irmãs e meus amigos e também estudei bastante para passar de ano. Gostaria de ganhar de presente uma máscara de mergulho e nadadeiras para eu poder mergulhar e ver os peixes de perto. Se puder me dê também um par de sapatos novos para eu poder ir a escola pois os meus estão muito gastos. Obrigado.”  Deitado eu olhava para os cantos das paredes, apurava a audição para tentar escutar o barulho das renas no telhado. Onde morávamos não tinha chaminé. Como seria que ele entrava na nossa casa? Acho que minha mãe ficava acordada para abrir a porta para ele entrar. Vencido pela ansiedade acabei adormecendo.
Quando acordei no dia seguinte a primeira coisa que fiz foi correr para a janela e ver os presentes. Ao levantar da cama pisei descalço na areia fina e em folhas de pitanga. Era costume naquela época na madrugada do dia vinte e cinco de dezembro as mulheres espalharem uma areia fina e branca por toda casa e a seguir folhas frescas de pitanga. Confesso que até hoje não entendo o significado disto mas o fato é que dava uma sensação que havia nevado porque o chão ficava todo branquinho e o ar perfumado com cheiro de pitangas. Ao me dirigir a janela ficaram na areia as marcas dos meus pés. Minhas irmãs ainda dormiam. Minha mãe sentada à mesa bebia café enquanto seu olhar perdia-se no vazio. Meu par de congas estava lá e o bilhete também, dobrado como eu o havia deixado dentro de um dos pés do calçado. Olhei sem entender para o bilhete e para minha mãe estática na mesa. Por que não estavam ali os presentes que eu havia pedido? Corri para ver se os pedidos das minhas irmãs haviam sido atendidos e constatei que acontecera o mesmo. Com lágrimas nos olhos procurei o colo de minha mãe e percebi que ela também chorava. Seus olhos estavam avermelhados e marejados. Ela me disse: ”meu filho, Papai Noel não veio. Fiquei acordada a noite toda mas ele não apareceu”.
A minha cabecinha procurava entender o porque de nem eu nem minhas irmãs não termos merecido ganhar o que pedimos e a minha mãe me consolava dizendo: “é assim mesmo meu filho, às vezes Papai Noel não tem presentes para todo mundo por isso ele escolhe a quem dar”. Abri a porta e vi que lentamente meus amiguinhos foram saindo com seus brinquedos para brincar na frente de suas casas. Quando me perguntaram o que eu ganhara respondi. “Papai Noel não veio em minha casa”. Meus amigos riam de mim e diziam que eu não ganhei nada porque não era um bom menino. Enquanto os meninos riam de mim afastei-me cabisbaixo e fui sentar-me sob uma árvore onde com lágrimas nos olhos e um graveto na mão escrevi na terra a seguinte frase. “Papai Noel me esqueceu”!

* Este texto está no livro "Ponto de Vista" a ser lançado brevemente com artigos, contos e crônicas. É proibido a reprodução parcial ou total. Visite meu site: www.ramos.prosaeverso.net
Valdir Barreto Ramos
Enviado por Valdir Barreto Ramos em 25/12/2007
Reeditado em 17/10/2009
Código do texto: T790988
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