JAMAIS O ESQUECEREI

Minhas mãos o prendiam firmemente, impossibilitando-o de seguir seu caminho ao qual almejava, pois já tinha cumprido sua missão.

Ele saltitava, revolvia-se loucamente, preso em meus dedos firmes que não o queriam soltar. Sua insistência louca fazia-me tentado a larga-lo para ver sua reação e deixa-lo seguir seu rumo; mas eu queria ainda vê-lo um pouco mais e conhece-lo melhor, ler em seu rosto ruborizado tudo o que podia para ter plenos conhecimentos de si.

Assim fiquei alguns minutos, e ele sem parar, revolvendo-se em minhas mãos estáticas, endurecidas, que o vento de um inverno que se fazia rigoroso, cortava cruelmente pedindo e até mesmo clamando para que soltasse quem mantinha aprisionado.

Olhei para ele e senti pena por sua ânsia de liberdade e então decidi soltá-lo, mesmo que nunca mais o teria nas mãos e nem mesmo na frente dos meus olhos -teria, logicamente outros tantos iguais a ele mas jamais o mesmo.

Lancei meu olhar para baixo, e o vento veio louco, e imediatamente afrouxei meus dedos, minhas mãos se abriram e a lufada de vento frio o levou, leve como é, para o alto e assim caindo aos poucos bailando, fazendo piruetas, malabarismos, revelando-se um verdadeiro acróbata, em outros momentos um perfeito dançarino que se deixa levar pelas notas da música que o vento sibila; e assim vai ele, subindo e descendo pela escada do vento, conforme o impulso que a lufada lhe dava.

E eu ainda o via, observando, admirado, cada detalhe, seus mínimos movimentos, e até com inveja por vê-lo alegre, solto passando por entre as pessoas, sempre rápido, indo intrometer-se nos carros que voavam apressadamente, mas nada o impedia de seguir seu caminho.

Ele continuava a saltitar, loucamente até que eu o perdi de vista e o último movimento dele que eu vi foi quando chocou-se na parede do hotel, permanecendo parado, estático, inerte, por alguns instantes, e imaginei que sua caminhada foi curta e dali não sairia nunca mais, até que alguém o juntasse e o levasse para o lixo, mas o vento veio novamente forte e o impeliu a voar alegremente desaparecendo de minha vista, sem nem me dar adeus, para nunca mais tornar a vê-lo. Uma tristeza tomou conta de mim, mas, assim é a vida...

Voltei à realidade e vi que ele não passava de um simples PAPEL DE BALA ‘SETE BELO’ SABOR FRAMBOESA, que eu havia comido com muito gosto e o havia atirado da janela do 5º andar do edifício onde trabalho, e me deu inspiração para escrever sobre ele, pois assim jamais o esqueceria.

(texto escrito em 27/09/82)