A tristeza das cartas

Joaquim era um carteiro em uma cidade do interior do Espírito Santo, que ficava longe da capital. Sua profissão já se estendia por mais de 2 décadas, quase a idade de seus filhos: Flora e Samuel. Flora nasceu durante a primavera e era quase uma segunda mãe para Samuel, visto que sua primeira lhe foi arrancada pela crueldade da vida. Com a partida da mãe, Flora aos 6 anos e com um dever internalizado por situações que ainda nem havia vivido, sentiu-se pronta e tomou para si o papel de cuidar do pai e do irmão. Samuel sentia-se culpado pela morte da mãe, que partiu dando à luz ao mesmo e Joaquim se sentia culpado porque era pobre. A culpa era um sentimento enraizado naquela família, quase que hereditário. Em uma quarta feira comum de outono, Joaquim saiu de sua casa alugada e seguiu sua jornada diária. Passou o dia todo na rua cumprindo seus deveres, pingando de suor com as roupas molhadas pelo calor descomunal trazido pelo aquecimento global. O sol já estava quase se pondo e o libertando daquele cansaço exaustante que o consumia de dentro para fora, enquanto caminhava para sua casa. Quando passou por um terreno vazio, escutou súplicas em formato de miados sinceros e amedrontados e parou para averiguar. Havia um gato tricolor dentro de uma caixa de papelão, rasgada em um dos lados pelo seu impacto com o chão. Teve de levar consigo aquela pobre alma. Chegou em casa e mostrou aos filhos o que havia encontrado, levando surpresa e alegria a uma casa pálida e descontente. Flora a pegou no colo e confirmou que se tratava de uma fêmea. Joaquim logo pensou em como chamá-la e na hora lembrou da eterna esposa. Chamou aquele pequeno animal de Celeste, nome que havia dado para sua primeira filha, que lhe foi arrancada de si assim como sua esposa. Ele sorriu cansado e chorou por dentro, algo comum que os adultos fazem para se mostrarem fortes. Seu filho saiu para trabalhar no seu segundo turno diário e sua filha lhe serviu o jantar e logo em seguida saiu para sua aula da faculdade de Pedagogia. Ambos anseavam por mudar o mundo, de forma qualquer que conseguissem. A sensação de mudança é muito forte quando se vive desconfortável durante quase toda sua vida. Uma mínina alegria já faz toda a diferença. Celeste viveu por vários anos junto daquela família, e sua presença trouxe luz à tristeza. Flora se tornou uma professora e seus alunos eram a única alegria que ela tinha, depois da partida de seu pai por consequência de uma doença que a pobreza não pôde cuidar. Seu irmão construiu sua própria família e foi morar perto de sua irmã. Eles tinham um ao outro, e aquilo era o suficiente, pelo menos para conseguir seguir em frente.