Inconfesso desejo

Em outras digressões foram descritas culpas, traições, ânsias inconfessáveis, sempre tivemos, temos e teremos algo que embargue nossa voz, que nos dá pavor e ao mesmo tempo que seja nosso maior desejo.

Foi dito também que a sociedade em que vivemos não está preparada para nos aceitar como somos, a verdade nua, nossa verdadeira natureza, nosso eu mais profundo.

Assim, para nos adaptar ao meio em que vivemos, na maioria das vezes, precisamos abrir mão de nós mesmos, nos anular por inteiro ou vivermos uma vida dupla, sendo vez ou outra felizes por alguns míseros instantes. Pensamos nos outros e esquecemos de nós!

Quantas e quantas vezes desejamos fazer, ser, viver de maneira diferente? Ah se eu tivesse coragem de...!

Quantas e quantas vezes desejamos sumir, nos mudar, ir para um lugar que ninguém nos conheça e começar de novo, de um modo diferente?

Quantas e quantas vezes deitamos na cama sozinhos e imaginamos uma outra vida, sorrimos pelos pensamentos e choramos pela realidade, choramos a ponto de pegar no sono como se nosso corpo pedisse uma pausa daquele transtorno?

Quantas e quantas vezes sonhamos, até mesmo acordados, com uma vida diferente da nossa?

Não estamos sós! O mundo está repleto de pessoas assim.

Pessoas que possuem os mesmos ou diferentes anseios, mas todos inconfessáveis.

Irão dizer, mas porque não rompe com esse ciclo e vive a vida da forma que lhe convém? Hoje em dia não há mais espaço para não sermos felizes como desejamos, “eles vão ter que me engolir”.

Se fosse fácil assim não existiria tristeza nesse mundo.

Como também foi dito, em outra digressão, ou perdemos nossa sanidade tentando viver em sociedade ou perdemos nossa sanidade tentando romper com ela.

Os consultórios terapêuticos nunca estiveram tão cheios, cada um com seu inconfessável desejo. Desejo de mudança, desejo de morte, desejo de amar, desejo de ser feliz, desejo de viver e não só sobreviver.

Um poeta disse uma vez: Não desista daquilo que não passa um dia sem pensar.

Bem, querer nem sempre é poder!

No que se refere à nossa vida profissional, nossos desejos e ambições do mundo para fora, essas eu preciso dizer que realmente não há que nos impeça de conquistar e quem importa se importará e ficará do nosso lado no que quer que desejemos.

Mas do mundo para dentro as coisas são bem diferentes, pois o que queremos não só nos afeta, como afeta quem importa e esse quem importa é só o que nos importa. Assim na tentativa de proteger quem amamos desistimos do nosso próprio amor e do nosso amor próprio.

Pensamos que com o tempo as coisas se ajeitam, esperamos no tempo o que o tempo não pode mudar, cremos então no tempo de Deus, a esperança é a última que morre e nessa história é bem provável que morramos antes dela.

Não há saída então? Não, até porque só há duas possibilidades, sobrevivemos ou lutamos, e em ambos os casos as consequências são dolorosas.

Ao sobreviver deixamos de acreditar que algo possa mudar, perdemos o brilho nos olhos e o desejo de viver, boiamos literalmente no rio da existência, nos deixando levar pela correnteza da tristeza até que só nos reste a morte, naturalmente ocorrida ou buscada, na esperança de que a dor cesse e a vida pós morte seja melhor que esta.

Ao lutar faremos sofrer nosso próprio coração que vive em outros, destruiremos laços eternos, nos despedaçaremos por dentro pelo choro e a vergonha alheia. Estaremos no paraíso por um lado e no inferno por outro. Dirão: com o tempo as coisas se acertam, vá atrás do que ou quem deseja, viva e não olhe para trás. Como fazer isso se mesmo não vendo sentimos, mesmo distantes temos perto, junto, dentro?

Muitos escolhem a morte em vida, outros escolhem morrer a sobreviver.

Esse inconfesso desejo é tudo aquilo que nos fortalece e nos enfraquece, esse inconfesso desejo é nossa bênção e nosso maior pecado, esse inconfesso desejo é pelo que vale a pena viver ou morrer, esse inconfesso desejo, por vezes, é nossa própria existência.

Não há como viver assim!

A grande questão é que não temos outra vida, só lhe digo que essa vida é breve demais para simplesmente sobreviver, é preciso vida para vivê-la.

A esperança é tudo que temos, mas deixar nas mãos de outros, por mais supremo que seja, nossa felicidade, é jogar a responsabilidade de nossas vidas a quem nos deu a oportunidade de vive-la.

Mesmo o mais inconfessável desejo não resistirá ao tempo e na ampulheta do tempo a areia cai sufocando sonhos e amores não vividos.