Palestina Livre

As ruas das metrópoles são sempre novidadeiras. São o principal palco político para as manifestações das massas. Uma pena que estas são raras nos dias atuais. O povo está com medo da violência policial e, desanimado, só se vira por sua sobrevivência. A política oficial é vista como antro da corrupção e oportunismo e os movimentos sociais e sindicais são restritos. Não se vê mais nas ruas nem mesmo as categorias profissionais se movimentando para garantir os seus direitos trabalhistas. O trabalho precário (mercado informal) está na ordem do dia.

Neste contexto desmobilizador temos de esticar o tapete vermelho e aplaudir a iniciativa de grupos restritos, mas valentes, que se mobilizaram pelo fim do genocídio palestino. Apelam para uma convocação às ruas e, marcam o ponto, justamente em frente ao Consulado Americano do Rio, no dia 31 de outubro às 17 horas. Em um país onde funciona a “Policia da Memória” (Yoko Ogawa, 2021) clamar por “Palestina Livre” é, na verdade, puxar o coro do vale a pena ver de novo. Quem tiver uma visão otimista da política com P maiúsculo, pode discordar desta comparação, pois de um lado, o Ato Público lembrava o filme “O Incrível Exército de Brancaleone” (Mário Monicelli, anos/60), que também serve de metáfora do atual genocídio praticado por Israel contra os árabes. E, do outro, não superava a lembrança de antiga fotografia das passeatas e comícios a favor dos árabes. A história mais uma vez se repetindo como farsa ou tragédia.

A manifestação tímida escondida entre as árvores frondosas no parque em frente à Avenida Beira-mar fazia um “estilo cult”. Os motorizados continuaram transitando e as pessoas trafegando nas calçadas, apressadas, para chegar aos pontos de ônibus ou de metrô. Quem mais se destacava era a polícia militar com seus possantes veículos e uniformes reluzentes, os seus “tiras” de roupa nova para ficarem à altura do imponente bunker do Consulado Americano. Na verdade, os carros da repressão e seus homens em pé olhando o movimento é que ocuparam a frente do Consulado. No lusco-fusco do anoitecer quem esperava os ônibus só enxergava a polícia, pois as palavras de ordem perdiam a força diante da poluição sonora. Nem mesmo as bandeiras da Palestina mais vistosas que a dos partidos solidários (PSTU, CRTs, PCO) conseguiam atrair os curiosos. Parece que a representação dos partidos oficiais disputava espaço no Ato Público, mas, não queriam “dar bandeira” por isso ficaram à margem da manifestação. A principal reivindicação dos participantes. era para que o governo Lula tomasse a iniciativa de suspender as relações comerciais e diplomáticas com Israel. Nenhum veículo obediente aos ditames da mídia oficial estava cobrindo o evento. (Jornal GGN, 03/11/ 2023)

A direção do Ato Público ficou com o Comitê de Solidariedade à Luta Palestina no Brasil. Não sabemos sua composição, mas pode incluir a Juventude Palestina e o pessoal do Consulado. Estas pessoas estavam com os lenços (Keffiyeh) que são usados por povos nômades – os beduínos, e também por muçulmanos e árabes de todas as religiões. As bandeiras esvoaçantes eram carregadas pelos homens com lenços azuis e brancos quadriculados ao estilo Arafat, líder da OLP (Organização para Libertação da Palestina) que tinha como objetivo centralizar as lideranças de vários grupos clandestinos. Surgiu em agosto de 1964 e logo obteve o apoio da Liga Árabe. Após quase sessenta anos ainda reivindica o que lhe foi prometido e nunca obtido, a criação de um Estado Nacional independente. Desta forma se compreende os símbolos utilizados de modo a exercer a mediação das várias facções que lutam pela soberania deste país.

Se tivessem mais força mobilizatória teriam ocupado o chão da rua do México ou da Presidente Wilson, e aí sim, poderiam ter visibilidade e competir com a repressão, que estrategicamente se posicionava em defesa das forças imperialistas. Com suas vestes da resistência teriam neutralizado a ostensividade policial. Mas, mesmo com microfones suas vozes ficaram apagadas, tais quais as vozes árabes que ecoam há muito mais tempo na defesa de uma Palestina livre. A questão territorial aparece desde o surgimento e a difusão do movimento sionista, ao final do século XIX.

O protesto foi apoiado por ex-militantes misturados aos jovens idealistas, mas para os eventos fazerem parte do cotidiano, ganhando força entre grupos sociais e a adesão dos trabalhadores tem de deixar de lado a manifestação entre “pares”. É claro que valeu a pena, hoje em dia temos de fazer esforço para ganhar as ruas, para que elas sejam nossas, para quebrar o poder bloqueador da mídia de esconder a verdade factual. Só mergulhando na realidade e se afastando da fala oficial é possível recuperar as atividades que mostram para todos, o que os poderosos fazem para distorcer os fatos históricos, e de como usam o passado para justificar a sua narrativa presente.

Afinal, sem organização dos trabalhadores os partidos mesmo fora dos ditames oficiais acabam por reproduzir um conhecimento reflexo, que não permite quebrar com o “espírito de seita”. Mas, ver alguns grupos se mexendo como “Exércitos de Brancaleone” é alvissareiro, pois significa que a luta contra o imperialismo ainda é uma força impregnada no desejo coletivo por libertação e independência das nações.

ISABELA BANDERAS
Enviado por ISABELA BANDERAS em 11/11/2023
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