Mesa para dois

- Parece que a moça também está só. Importa-se se eu me sentar aqui?

- Por que não? Mas antes, posso saber quem é a minha companhia?

,- Claro, eu me chamo Daniel. A quem tenho o prazer que conhecer?

- Nayara. Seja bem vindo a minha solidão.

- Hum! Que frase poética. Estou falando com uma poetisa?

- Talvez. O que te fez pensar que eu concordaria em dividir a mesa com você?

- Eu criei a cena na minha cabeça, de maneira positiva. Parece que funcionou.

- É. Você parece confiável.

- Porque eu sou mais velho? E, aparentemente, não ofereço perigo?

- Não. Você realmente parece confiável.

- Eu agradeço muito. Fico feliz. Por que não conversamos sobre a nossa história enquanto comemos?

- A nossa história está começando agora. Não acha.

- Estamos na primeira página. Nas primeiras linhas, pra ser mais preciso.

- E verdade. Você é muito espirituoso.

Assim Nayara e Daniel protagonizaram uma cena improvável. Uma mesa para dois completos desconhecidos, que desejavam mergulhar cada um na sua solidão numa mesa de restaurante durante o almoço.

Daniel desejava viver sozinho, tanto física como emocionalmente, viver sozinho de fato, e não no meio de pessoas que pouco se importavam com o seu bem estar. Seu esforço, por maior ou melhor que fosse, jamais atenderia os anseios de seus entes queridos. Tal esforço jamais seria reconhecido. Nenhum esforço, quando é insuficiente para atender as expectativas, não será jamais reconhecido. Claro que ele não esperava ter o seu esforço reconhecido. Não havia tempo e nem meios para isso . Ele havia cometidos erros irreparáveis. O tempo que restava não era o bastante para corrigi-los. Ninguém teria paciência para esperar. Ninguém lhe daria crédito pra tentar. Ele nunca teria o suficiente para pagar os débitos emocionais daqueles que lhe eram mais caros.

Então, ele assumiu a sua solidão. E sabia que ninguém seria capaz de compreender a sua fuga. Todos o tomariam por ingrato ou quem sabe por louco, principalmente, por suas limitações de saúde.

Mas, Daniel se sentia bem, se sentia no controle. Na precisaria da companhia, de quem quer que fosse, pelo resto da vida. Não para dividir uma casa ou uma cama. Talvez pelo prazer de dividir um prato de comida, trocar uns dedos de prosa com uma pessoa inteligente.

Nayara vivia só, porque era só. Já vivia uma solidão acostumada e tranquila. Não era uma solidão sofrida e motivo de lamento. Era simplesmente uma solidão, sinônimo de liberdade que temia perder. Isso bem no fundo do coração, porque, na verdade, nunca pensará sobre isso. Nunca pensava sobre o fato de ser só. Sempre gostava de ser só, de estar só.

Assim como Daniel, nunca rejeitava uma companhia que lhe inspirasse confiança. Tinha aprendido a ler as pessoas e sabia como ajudá-las a resolver os seus problemas. Sabia ouvi-las.

Foi assim que Daniel foi recebido sem medo em sua mesa. Ele estava começando a experimentar um desejo antigo: viver só. Fisicamente só. Durante muitos anos viveu só, mesmo na companhia de seus pais e seus irmãos. Por toda a vida não teve amigos, nenhum se quer. Alguém que o amasse, que desejasse estar com ele todo o tempo. Gostava ler e estudar aquilo que não compreendia. E o que aprendia ficava ávido para dividir, mas não era compreendido. Então se calava e sentia só. Seu vocabulário era diferente e naturalmente sofisticado e o tornava distante das outras pessoas. Ele percebeu que nem todas as pessoas, talvez a maioria delas, não eram capazes de compreender o que ele dizia. E ele precisava gastar um tempo razoável pra explicar, preparar o tempo para, finalmente, mostrar o que de fato queria ensinar. E isso era maçante para a maioria das pessoas. E elas se cansavam e logo logo perdiam o interesse pelo que ele dizia. Então ele se calava. Enquanto a pessoa despertava do seu dormitar.

- Somos felizes, não acha, sabemos como é bom viver só. - disse Daniel

- Eu não disse que vivo só - respondeu Nayara.

- Não disse, mas eu sei. Eu sinto isso. E não se preocupe. Você não corre perigo. Eu sou a única pessoa que me entende. Por isso, eu sempre quis viver só. Eu não sou avesso às pessoas. Mas, as vezes, eu preciso ficar longe delas. As pessoas cobram da gente um amor que não são capazes de dar. Eu sei qualquer pessoa é uma ameaça pra pra se propoe a viver só. O amor tem as suas armadilhas, e a gente precisa tomar cuidado.

- Bom, você parece estar disposto a defender a sua solidão com unhas e dentes.

- Sim. Eu levei muito pra tomar uma atitude. A decisão ja tinha sido tomada a muito tempo. Mas a atitude demorou. As pessoas não costumam dar espaço para a solidão, para a privacidade.

- …

- Você já pediu? Perguntou Daniel, quando o garçom se aproximou da mesa.

- Não! Respondeu Nayara, despertando da reflexão. - Ia fazê-lo, agora.

Assim, Nayara e Daniel tiveram um almoço agradável e tranquilo, partilhando das suas privacidades, sem invadir um a privacidade do outro. Embora, tivessem, na conversa, descoberto afinidadee que poderiam uni-los para sempre, ou por um longo tempo, preferiram continuar cada um na sua solidão. Mas deixaram aberta a possibilidade de, de vez em quando, quem sabe, partilhar uma mesa para dois.