O que eu vou fazer com essa tal liberdade? Desde que ouvi essa música pela primeira vez anos atrás, eu buscava essa liberdade, mas não conseguia alcançá-la. Eu vivia um relacionamento abusivo, não amoroso, mas familiar. Mesmo desejando a liberdade, eu não tinha noção que era usado, manipulado e como confundia isso com amor, não conseguia sair. Nunca tomei nenhuma atitude porque eu nem sabia que era abuso.
Há três anos a ficha caiu e entendi tudo que eu havia passado e principalmente o que eu havia perdido ao longo da vida. Raiva, mágoa, ressentimento, uma mistura de sentimentos por não ter entendido antes e o maior deles: frustração por não poder fazer mais nada, nem confrontar a abusadora, já uma idosa. Eu olhava para ela e sentia pena misturada com raiva. Vê-la frágil, mendigando afeto, amor, talvez por ter consciência dos seus erros, deixou-me com um sentimento de impotência.
Mesmo com uma avalanche de sentimentos contraditórios dentro de mim, engoli a seco todos eles e fiz o que todo filho deve fazer: cuidei da minha mãe. Em alguns momentos tive que fazer uma força descomunal para cumprir a minha obrigação. Não sei como consegui, mas de uma certa maneira, vê-la sofrer no final da vida, aliviou meu coração. Vingança? Sinceramente não. Acho que eu precisava de algo que tocasse meu coração e nada mais eficiente que o sofrimento.
Depois de dias hospitalizada, minha mãe foi entubada. Eu estava indo todos os dias ao hospital e estava exausto. Lembro do médico dizer: vá para casa e descanse. Não há nada que você possa fazer. Dormi quase 48 horas e passei a visitá-la nos horários de visita. A UTI é deprimente mas nunca deixei de ir. Há 40 dias atrás o hospital ligou avisando que se quisessemos nos despedir dela que corressemos para lá. Quando chegamos ela já havia partido. Fiquei olhando para a médica sem esboçar nenhuma reação e apenas pensei: acabou. A partir daí até o caixão baixar a sepultura fiz tudo no automático. Recebi pêsames, vi familiares chorarem, mas não consegui expressar nenhum sentimento. Fui lacônico nas redes sociais e as pessoas atribuiram ao fato de eu estar em choque. Bendito choque que me salvou.
Estou livre, colocando minha vida em ordem, mas ainda perdido com a liberdade que ganhei. E agora? O que eu vou fazer com essa tal liberdade? Talvez viver. O novo assusta mas uma hora vou me acostumar. Lembro da bandeira da inconfidência mineira que diz: Libertas que sera tamen. Liberdade ainda que tardia. Um viva ao meu novo caminho que eu ainda não sei que rumo seguir, mas estou indo.