QUANDO A LEITURA PASSA A DAR MEDO

Grande" seria o que diria com incontida modéstia ao adjetivar o fluxo das idéias que me visitam ao longo do dia.”Exorbitante” seria o caracterizador mais adequado. E não que queira eu de alguma forma me gabar dessa espécie de “fenômeno”, longe disso. Essa tempestade de inspiração fácil e fluida emerge ao bel-prazer ser que se possa ter controle chegando às vezes a comprometer meu tão caro disfarce de pessoa comum.

E lá eu, com minhas vestes de moça contemporânea, exercendo na faculdade a fascinante arte da espera, vasculhando na bolsa uma oportunidade de negar o pleno ócio, encontro três livros. Três livros e nenhum caderno, nenhuma caneta. Naquele momento bateu-me certo medo. Vacilei diante das opções, pois ler já não é para mim uma tarefa que se faz a esmo ou obrigado.

Quando a leitura passa a ser uma escolha, penetra implacável na vida, na mente de quem a concerne. Ler já não é mais coisa avulsa, de passatempos meros, de importância par.

Uma vez cultivado o hábito, a mente, já naturalmente irrequieta, semeia em todas as frases, colhe motes no ar. Idéias frescas, novas vêm rapidamente e aos tubos. Eis que encontro a culpada por tantos pensamentos, por tantos achados metafóricos, da coerência, inferência fantástica no cotidiano proseando sobre o quebradiço, versando sobre o mundano.

Travessão, ponto - e- vírgula, dois pontos, exclamação e a cabeça formando rostos, dando voz, corpo. Prosopopéia de sentimentos e sentidos simples de mundos novos, complexos aos mundos outros de cada livro, seja este didático ou dogmático.

Conceito e liberdade transam num ar de aroma próprio entre o livro e o leitor. Tudo o que hei de respirar, toda a palavra que não possa dar assim, no ócio sem caneta da faculdade, provida de uma bolsa com três livros prontos a acionarem a imaginação. Impossível abri-los e lê-los sem eclodirem as idéias. Inevitável surgirem inferências. Inesgotáveis as metáforas poéticas. E o que fazer para domar esse pertinente turbilhão na ausência do meu escudo de papel e caneta em mãos?

E é ali que se vê a cabeça criando sem cessão. É nessas horas que a leitura passa a dar, alguma coisa de medo. Desse fato é a minha versão.