ALGUÉM QUE FALE A SUA LÍNGUA

As mulheres não têm um dia de paz, já brincam os memes pela internet. E, de fato, a cada nova década de nossas vidas somos atropeladas por algum carro desgovernado, sem placa e sem aviso de freada que nos joga fora dos planos daquele dia. Somos quase que empurradas para um destino incerto, com muitas perguntas e raras respostas.

Desde cedo somos ensinadas a cuidar, gerar e gerir nossas vidas e de outros. Não tem sido fácil, mas é assim para a maioria de nós. Há exatamente um ano estive a beira de um colapso e por mais que tentasse me fazer entender para os que me cercam, nada nem ninguém pôde adentrar nas aflições da minha alma. A descoberta foi tão íntima e secreta que raríssimas vezes, nestes quase cinquenta anos de vida, estive frente a frente com meus mais profundos medos.

Como morrer não estava nos meus planos, enfrentei a nova eu que se formava a cada dia, na busca de profissionais que me apontassem uma direção menos traumática para aqueles desconhecidos sintomas... dores pelo corpo inteiro, insônia, desânimo e falta de energia; e no desespero, seguimos uma lista de receitas que não nos cura e, pior, só vai tornando a saga feminina mais árdua. Até o veredicto final “olha, minha filha, você entrou no climatério”, foram dias e noites perturbadoras e muitos finais infelizes, porém necessários.

Neste processo se ouve de tudo, que daqui pra frente é ladeira abaixo, que é assim mesmo e temos que aceitar, que mulher nasceu para sofrer, não tome isso ou tome aquilo, você está dramatizando, ou, passei por essa fase e nem senti nada. Fragilizada dos pés à cabeça e com uma lista enorme de obrigações diárias, cedemos ao imediatismo deixando de lado o que precisamos fazer de fato: mudar tudo, se quisermos viver com saúde e paz.

Então, estou mudando de pele e colocando de lado tudo o que aprendi sobre mim nessas décadas. Parece simples, mas não é. Até me tornar o primeiro item da minha listinha de coisas para fazer todos os dias houve muito choro e despedidas. Ficam os que falam a mesma língua e me olham com gratidão pelo que posso, quero e consigo fazer por eles e com eles. Virei minha prioridade e estarei comigo até o final, fazendo só o que precisa ser feito. Coisas simples e salvadoras: alimentação equilibrada e na hora certa, atividade física prazerosa, dormir o tanto necessário para ficar bem no dia seguinte, risos e descansos perto de quem faz bem e não me amar menos que amo os outros. Esse é o plano daqui pra frente.