Felizes são os adultos que permitem sua criança interior sempre viandar com a liberdade da alma ao invés de se deprimirem por fatos desagregados do próprio Ser.

 

Sinto-me muito feliz porque tenho uma criança ousada que canta risota, pronta, intrépida em vivaz espírito e não se deixa abater pelas adversidades do próprio destino. Sabe aquela criança marota? Então, essa mesma!

 

Diante de certas malandragens da vida, essa criança não exita galhardiosos sonhos que palpitam seu coração em trocadilhos saltitantes no ritmo adequado. Não pensa por duas vezes face às barreiras ou ditames sociais inconvenientes.

 

Por uma ocasião, um cônjuge libertino aprontou-me "uma boa" e minha criança não esmoleceu, ao contrário, arquitetou um espetáculo mirabolante.

 

Em uma tarde domingueira, tal cônjuge, fisgou uma musa extra e a apresentou àlguns de nossos amigos pessoais. É óbvio, fiquei sabendo e coloquei um ponto de interrogação na preciosa união, que, por certo, já não satisfazia o efebo.

 

Bom, para determinados senhores, compromisso e conversa com as esposas é puro blablablá, a audição fica difusa... E em nada, os fidelíssimos prestam atenção, esquecem de pactos importantíssimos, a exemplo, a fidelidade. Até familiares, amigos, colegas de trabalho da parceira, já conhecidos, caem no esquecimento. Ótimo! Se é conveniente para eles por que não o seria para minha criança intrépida?

 

Fazíamos dança de salão sempre juntos e não faltávamos aos eventos festivos mais solicitados de todos os clubes militares da cidade, que embora, uma grande cidade, nem tanto, para os palcos "seletos" da sociedade. Então, qualquer questão vexatória seria uma abordagem inesquecível. Uma verdadeira corte...

 

Já no final daquela mesma semana, tínhamos compromisso em um evento tradicional, daqueles majestosos de traje à rigor: militares com as fardas sociais adequadas, civis de smoking e todas as socialites em belíssimos trajes longos.

 

Ponto de interrogação e ponto final nem mesmo nos mais simples dialetos já tiveram a mesma conotação. Mas o cavalheiro estava tão empolgado com sua nova aventura que, simplesmente, esqueceu a vida real e denotou nova configuração às pontuações. Resolveu por si acompanhar-se com a pressuposta, imaginando seus giros triunfais pelo salão do evento, esquecendo inclusive dos compromissos, formalidades e amizades.

 

Naquele ínterim, conhecendo os lúdicos fatos, a minha ousada criança já arquitetou sua própria coreografia. Ligou para um amável e cordial primo, já conhecido e também esquecido, solicitando seus préstimos: 

- Primo, topa fazer uma boa peraltice de crianças para me ajudar?

- Lógico, faço o melhor para ajudar minha família.

 

E foi fato, meu dedicado e carinhoso primo fez o seu melhor. Ajudou-me a melhorar minha didática para àquele esplendoroso evento.

 

Escolhemos a melhor mesa, muito bem posicionada, na reta certeira da visão do ardiloso cavalheiro e sua nova dama, estratégia para que toda nossa movimentação fosse nitidamente notada. E foi!

 

Para meu lindo e elegante primo, naquele evento, também meu príncipe, eu só não coloquei sapatinhos de cristal, mas fiquei mais bela que a Cinderela (sem modéstia). Ambos atuamos entre as mais requintadas informalidades de um casal que se amava muito.

 

Para azar ainda maior do suposto ex-cônjuge, à mesa dele, estava sentado um casal de colegas de trabalho do meu primo, então, meu namorado.

 

E quando nos adentrávamos, pelo tapete vermelho, à pista de dança, meu primo namorado foi chamado àquela mesa e apresentou-me a todos como sua futura esposa, lógico, excetuando o casal de coadjuvantes do início dessa história que, planejadamente, também desconhecíamos a presença. Pouca balinha para criança faz falta!

 

Durante todo o baile, dançamos sorridentes e elegantes pelo salão, deixando marcas notórias para nosso estrelado.

 

Enquanto isso, naquela mesa, o fantasma olhava atônito e sua dama, embora nada soubesse, estava isolada porque seu cavalheiro sequer movia, ambos em total inércia, até que lá pelas tantas, o senhor ex começou a passar muito mal  de um porre vexatório e foi levado à enfermaria do clube para socorro.

 

Quando ele de lá voltou, pouco melhor da indigestão, eu e meu primo saímos do evento.

 

Exatamente quando entrei em casa, o meu fixo tocou, já sabendo quem seria, atendi e delicadamente indaguei com qual direito poderia ligar-me àquela hora da madrugada, aleguei que estava ocupada e não poderia ouví-lo no momento. Outra peraltice para deixar sua mente bem mais horrorizada.

 

Passada uma semana em silêncio, mas me deliciando com a melhor travessura da minha criança interior,  sorria em deliciosa solitude recordando os episódios daquele espetacular capítulo.

 

​​​​​​No domingo posterior, recebi uma perfumada Ikebana  de lírios e papiros e mais uma cartinha de amor com pedido de perdão. Ah! Minha criança intrépida deu cheque naquele jogo. Ousadia e inteligência!

 

Marquei um tempo para pensar se um perdão seria merecido. A cada chegada a mais de novo mimo fez muitos sorrisos  marotos nos meus lábios. Até que resolvi  dar-lhe nova chance.

 

Essa união permaneceu por mais quinze anos compartilhando sem recidivas que eu tenha sabido.

 

E aquele baile ficou marcado no meu histórico como hilária e audaciosa lição para qualquer outra eventual patifaria.

 

Minha criança ainda sorri quando me lembro!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mariaga
Enviado por Mariaga em 18/11/2023
Reeditado em 18/11/2023
Código do texto: T7934710
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