Amantes

Hoje, quero como amantes aqueles que apreciam a arte. Aquele que veem na pintura um sentido para a vida; que veem o cinema como lentes que refletem suas almas; que veem na sutileza da arquitetura, os traços da construção do ser; quero estar na companhia de espíritos livres e de bons costumes, que apreciam um vinho não pela embriaguez que lhes causa, mas pela confecção das uvas; quero estar ao lado de quem aprecia o teatro, cujas palavras emanadas pelo ator lhe remetem algum causo mal resolvido; quero estar com aqueles que apreciem nas notas de Satie a tristeza profunda sentida pelo compositor ou que apreciem a natureza sob as notas de Vivaldi; quero estar em meio a quem ouvir uma ária, de Wagner ou Rossini, e possa sentir a emoção trazida pelo entoar das personagens; quero estar ao lado de quem cante uma música de Caetano ou de Sérgio Sampaio, a enfrentar os vilipêndios de uma má governança; quero estar ao lado de quem combate os males, de quem aprecie nas palavras de Lênin, o poder de um líder que dava outorga ao povo poder se rebelar; quero estar com alguém que aprecie a natureza e ouça o farfalhar das árvores, os pios, os gorjeares, os chilreios dos pássaros como músicas improvisadas; quero estar ao lado de quem aprecia um bom jazz, soprado por Miles Davis ou um bom samba, entoado por Cartola; quero estar em meio a quem que aprecie a ribalta, a esperar uma peça de Tchekhov ou Strindberg; quero estar em meio a uma multidão de apreciadores das grandes letras, a quem interprete o solilóquio de Hamlet com a devida paixão; quero estar em meio a quem aprecie o mar, a esperar o Náutilus, com todos os seus mistérios, aparecer entre as grandes ondas e desbravar o desconhecido; quero estar em meio a quem veja a beleza dos cenários projetados por Burle Marx, cuja verdura nos enchem os olhos de emoção; quero estar em meio a quem aprecie um bom café, sem açúcar, a ler Caio Fernando ou Clarice Lispector sob uma chuva primaveril; quero estar em meio a quem viaje ao Inferno ou ao Paraíso Perdido e queira perder-se em palavras rumo ao desconhecido; quero estar em meio a quem aprecie os intensos diálogos de Bergman e sucumba em prantos à brutalidade de Lars von Trier; quero estar em meio a quem vislumbre a Nigéria, de mãos dadas à Adebayó, e perscrute os áridos caminhos vividos por sua arte; quero estar em meio a quem reflita sobre a decadência da moral, da ética, das próprias ações; quero estar em meio àqueles rochedos que resguardam o abismo e quando eu olhá-lo, por demais, ele a mim me olhará.

Guilherme Zelig
Enviado por Guilherme Zelig em 20/11/2023
Código do texto: T7935806
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