Crônicas da Fazenda da Grama (II)

Crônicas da Fazenda da Grama (II)

3 CALÇAS BEM BOAS POR 10 REAIS

O sol do início de maio reina no azul sem nuvens do céu.

Acordado cedo pelo insistente canarinho, café pra depois, nevoeiro da manhã se dissipando, saí pelo portão e encontrei o “Zé” conversando com o “Gato” junto ao muro entre a casa e o campo de futebol.

O Gato, energia de quase 70, apoiava a escada em que o Zé, tantos também, subira para reforçar o arame farpado, por onde os garotos estavam pulando para buscar as bolas mal endereçadas pelo bando de pés tortos que disputavam as peladas no campão.

Mesmo avisados que poderiam entrar pelo portão, alguns meninos insistiam em usar o muro que nos separa.

A estrada, asfalto fino sobre o barro, exige mais atenção e enquanto conversamos vamos contando a quantidade de carros que passam hoje pela nossa porta, antes caminho de carroças, e tropeiros, e vinténs.

Gato se mudou para Arrozal, mas fala com nostalgia feliz de tudo que viveu por aqui, conta histórias que os livros não contam, lembra de vaquinhas preto e brancas num curral que hoje abriga um clube, parece menino quando ganha presente, olhos claros brilhando enquanto volta no tempo.

O Zé, acabando o trabalho de remendar a cerca, desce da escada e entra na conversa, mergulha no brilho dos olhos do Gato, brilha junto na felicidade da vida repartida no dia a dia de histórias de caçadas e de pés no chão.

Lá dos lados do 107 surge acelerada uma bicicleta, uma pequena bicicleta, pedalada por um moleque sorridente com uma nota de 10 reais na mão.

Para ao nosso lado, como mensageiro de bons agouros, e anuncia o destino do seu sorriso.

O pai lhe dera a nota para ele comprar 3 calças “bem boas” no brechó que abrira no Custodinho, e podia ficar com o troco.

E lá se foi, célere, deixando seu sorriso de moleque misturado no brilho dos nossos olhos.

Muro que separa,

lembranças que unem,

brilho de olhos nublados

e o sorriso de moleque.

Sábado de maio, que céu azul.

E por 10 reais.

Simples assim.