Troquei Roma por Foz do Iguaçu

Saí do Itamaraty, em Brasília, com a missão de instalar e operar o Escritório de Apoio ao Torcedor Brasileiro na Copa América, em junho de 1999. Fui com um colega. Relutei, explico: tinha a chance de ser transferido para Roma. Ainda no estágio de negociações, o procedimento mais sensato seria ficar em Brasília e acompanhar o processo de perto. O olho do dono é que engorda o boi.

A Itália, por várias razões, em especial pelo idioma, era um país onde sempre quis morar. Na adolescência, conheci a avalanche de música romântica italiana das décadas de 60 e 70. As músicas me seduziram e aprendi italiano para entender as letras e, na medida do possível, também cantá-las. Pensava cantar na Jovem Guarda, não a do Roberto Carlos, mas na do Cine Pitangui, junto com Dinho da Bia, K-Brito, Neusinha, Tereza, Ricardo "Cuíca", Zé Maria Tavico e muitos outros, cada um paramentado como seu ídolo. O meu, com certeza, seria Sérgio Endrigo ou, quem sabe, Pino Donaggio. Faltou a coragem de subir ao palco, não confiava no taco.

Mas voltando ao tema, aceitei o convite: Ciudad del Este era o pássaro na mão, o outro - a ida para a Itália - ainda estava voando. Era inverno, chovia todos os dias em Ciudad del Este e fazia um frio pra esquimó nenhum botar defeito. Desculpem o exagero, mas tudo tem sua dimensão psicológica. A missão foi tranquila, porque os torcedores brasileiros não se meteram em confusão em Ciudad del Este, ninguém foi preso nem se acidentou. Depois dos jogos da fase de grupos, os brasileiros passavam para Foz do Iguaçu e lá é que comemoravam. Se confusão houve, a polícia em Foz do Iguaçu solucionou. O Consulado não precisou se movimentar, não houve ocorrências. Eles torciam, claro, mas como o Paraguai jogava na chave de Assunção, "los hinchas" em Ciudad del Este eram todos brasileiros. Sem contraditório, moleza pura.

Bom, na metade do trabalho , fui informado da tão esperada remoção. Roma estava em minhas mãos. Eu poderia conhecer de perto o Coliseu, a Via Apia, a Fontana di Trevi, encontrar-me, quem sabe, com Sergio Endrigo, Gigliola Cinquetti, Pino Donaggio, Rita Pavone e outras figuras de cantores famosos, que os mais jovens podem conhecer pela internet. Mas aí eu já tinha me apaixonado pelas Três Fronteiras. Por dias a situação me angustiou. De alguma maneira, ia seguindo a corrente, pedindo informação de onde morar em Roma, se poderia ir ao trabalho de carro, se havia estacionamento, de quanto seria o salário, se daria para economizar,.. Um detalhe: o euro estava em fase de implantação, havia muitas incertezas. Paralelamente, eu averiguava a possibilidade de tornar sem efeito a remoção para a Itália. Em conversa com uma colega, vaca sagrada do Itamaraty, ela prometeu que iria tentar, havia possibilidade. Ela, porém, também já removida para Roma, não acreditava no que ouvia: alguém querer ficar nas Três Fronteiras ao invés de viver pertinho do Papa. Doiduras do William, deveriam pensar.

Duas semanas depois, ficou tudo resolvido: eu iria ficar nas Três Fronteiras. "Hasta la vista, see you, arrivederci, Roma!" No final de dezembro de 1999, aterrissava no aeroporto de Foz do Iguaçu, vindo de Brasília. Dessa vez era para ficar. Por isso digo que troquei Roma por Foz do Iguaçu, afinal a cidade brasileira das Três Fronteiras.

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