Romantismo em campo: Edmundo e a nostagia de um tempo perdido

O futebol, arte sublime que pulsa em cada coração brasileiro, enfrenta, nos dias atuais, uma encruzilhada de proporções históricas. Uma crise de identidade que transcende os gramados e adentra os bastidores, corroendo a paixão que se diverte como a alegria mais vibrante do povo brasileiro. Sob o peso de dirigentes inescrupulosos, os grandes clubes, outras baluartes de glória, fundam-se em um mar de dívidas, escândalos fiscais e enriquecimento ilícito de diretores que desafia a essência do esporte mais amado do país.

Na Confederação Brasileira de Futebol, a desolação é igualmente palpável, com o dirigente máximo enredado em um emaranhado de escândalos que maculam e corroem o nosso futebol. A situação é tão grave que o Congresso Nacional viu-se obrigado a instalar uma CPI do Futebol, convocando até mesmo ícones como Zagalo e Ronaldo para deporem, em uma busca pela verdade em meio a contratos obscuros que relegam a vitória, objetivo supremo das equipes em campo, a uma posição secundária.

Nesse contexto de desolação, uma faceta dolorosa revela-se: o ocaso do amor à camisa. Jogadores, outros ícones de devoção a um único clube, trocam de cores como quem muda de estações, proferindo juras de fidelidade que se dissipam diante de propostas financeiras mais tentadoras. Garrincha do Botafogo, Pelé do Santos, Zico do Flamengo, Roberto Dinamite do Vasco — lendas que carregavam o manto de um só clube com orgulho — são ecos de um tempo que se esvai.

Recentemente, diante do embate entre Vasco e Cruzeiro, um episódio simboliza essa dolorosa transformação. Edmundo, outrora glória do Vasco, agora envergando os núcleos do Cruzeiro, viu-se no epicentro de uma polêmica que ecoa os dilemas do futebol contemporâneo. Declarações de afeto ao clube anterior, a promessa de não comemorar um gol, tudo isso em meio a uma partida crucial. O destino, irônico e impiedoso, teceu uma trama em que Edmundo, saudado pela torcida adversária, viu sua equipe sucumbir por 3 a 0.

O peso do passado, representado por Romário, seu antigo desafeto no Vasco e o algoz daquela partida, não abalou a lealdade de Edmundo ao clube que um dia o acolheu. Ao final, a cobrança displicente de uma penalidade culminou na sua dispensa por justa causa pela Diretoria do Cruzeiro. Motivo? Amor à camisa, à camisa do Vasco.

Edmundo, errante por diversos clubes e testemunhando o clamor de diferentes torcedores do mundo fora, só encontrou plenitude e sucesso genuíno nas fileiras vascaínas. Os jornalistas esportivos, ao analisarem o episódio, ressoam em uma verdade incontestável: Edmundo pertence ao Vasco, não apenas como jogador, mas como uma extensão da própria identidade.

Alguns o rotularam de psicótico, mas ele não pode ser senão um romântico no campo, incapaz de separar as emoções do profissionalismo impessoal. No turbilhão de contratos milionários e transferências, ele personifica uma relíquia de um tempo em que o futebol era jogado com o coração, não apenas com os pés.

Assim, em meio à crise que ameaça a essência do futebol, Edmundo emerge como um lembrete melancólico de um amor à camisa que, embora em declínio, ainda é capaz de tocar as fibras mais profundas do coração dos verdadeiros amantes do esporte. O tabuleiro verde, agora repleto de negociações impessoais, ainda guarda espaço para aqueles que carregam o peso de uma paixão que transcende contratos e cifras.

Sousa-PB, 5 de outubro de 2001.

JOSEMAR ALVES SOARES

Josemar Alves Soares
Enviado por Josemar Alves Soares em 21/11/2023
Reeditado em 23/12/2023
Código do texto: T7937038
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