O crime de um leitor

Recebi um e-mail com um comentário sobre uma antiga crônica minha, que eu mal lembrava que havia escrito, e que se chama "Ler na própria livraria". Na crônica, eu confesso que já fiz muito isso que o título sugere, ou seja, ler um livro, de cabo a rabo, na própria livraria - sem comprar, sem pagar nada por isso. Passei assim boa parte dos horários de almoço quando eu vivia em Brasília.

Pois o meu comentarista dizia que também fez isso, mas tinha uma inquietação: "Tava em dúvida se isso é crime. Sabe dizer?". Não li o Código Penal, mas aposto que, sim, podemos ser encaixados em algum lugar, então somos realmente criminosos, como é criminoso o moleque que rouba uma maçã para comer.

E não é isso o que fizemos? Matar a fome? Meu comentarista acrescentou: "Fiz isso porque a biblioteca fez feriado ontem", ou seja, se pudesse, ele estaria lendo em uma biblioteca, onde não precisa pagar pelos livros, mas a biblioteca está fechada, e a fome, ah, a fome vem todos os dias e precisa ser saciada de algum modo.

Então há o crime, espécie de furto famélico, mas reparem que nós não furtamos o objeto livro, mas tão somente seu conteúdo. Pode-se dizer que prejudicamos a livraria, a editora, o escritor, mas quem lê um livro inteiro na livraria é porque não tem dinheiro para comprá-lo. Logo, se não lesse o livro, também não compraria. Não há nenhum prejuízo em ler, mas se não ler - ai, essa fome!

Não são tais ladrões de conteúdo que levam as livrarias à falência. Pois se eles próprios já estão falidos! Famintos que são, é até bem possível que contribuam com as livrarias, pois fatalmente irão falar e comentar sobre o que leem e aí, talvez, despertem o interesse de alguém que está em condições de comprar um livro novo.

Pelo menos é assim que tento me consolar quando me lembro dos meus tempos de crime - e, cá para nós, diria até que compensou.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 21/11/2023
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