Engodo

Você sabe quem é?

Me fale sobre você!

Lá no fundo o que quer de verdade?

Já decidiu o que quer ser na vida?

Antes mesmo de nascermos temos nossas vidas projetadas, planejadas, o que vamos ser, do que vamos gostar, a profissão que vamos exercer, idealizações de pessoas que querem, como dizem: Exclusivamente nosso bem.

Somos moldados por essas idealizações, que com o passar do tempo não são mais expressadas, mas continuam exercendo um papel excruciante em nossas vidas.

E assim as quatro frases no início dessa digressão se tornam impossíveis de serem respondidas genuinamente. Por necessidade de se adaptar ao meio, fazer parte de um círculo social, ganhar likes e até mesmo ser visto como influenciador, acabamos sendo influenciados a não sermos nós mesmos.

Criamos uma personagem, fingimos sentimentos, reações, expressões, tudo para justificar um propósito que desconhecemos.

Tentamos simplificar ao máximo nossas relações, quando as coisas começam a complicar não vemos porque continuar, pulamos de colo em colo buscando o preenchimento de um vazio de alma que nunca será preenchido.

Nos moldamos de tal forma que o espelho não reflete quem somos, mas quem fingimos ser, fingimos tão bem e por tanto tempo que nos perdemos, não sabemos mais quem somos ou quem gostaríamos de ser.

Nos perdemos de nós e dos que importam para nós.

Mentimos tanto sobre tanta coisa que em vários momentos não sabemos mais qual parte de nós é real e qual faz parte da persona criada para sobreviver nessa sociedade doente.

Aprendemos tanto que não devemos chorar, expor sentimentos, falar dos nossos anseios, que nem sabemos se o que pensamos, sentimos, falamos, vem de nós ou do todo, nos fechamos tanto para o mundo que no fim das contas não somos capazes de nos abrir nem a nós mesmos.

Quem somos de verdade?

Nossos desejos são nossos ou implantados pelo meio?

As lembranças do meu eu de infância são minhas ou apenas refletem o que dizem os outros sobre como era?

Eu sinceramente não sei quem sou, já fui tantos e tantas, desejei o mundo e fugir dele, me moldei e mudei a cada insulto, crítica, vergonha, culpa, tentando alcançar uma bênção que nunca veio, que hoje acabei por enganar a mim mesma, que hoje não me reconheço mais.

Me tornei uma mentira, um engodo completo e sem perspectiva alguma de me tornar real de novo, se é que algum dia o fui.

A criança que outrora ocupou esse ser foi assassinada logo ao nascer, mas não foi de pronto, foi aos poucos, foi ao longo dos anos, morrendo a cada dia ao tentar ser quem os outros queriam que fosse e hoje não restam nem as lembranças do que era, só que no lugar nada se encaixou, nem as mentiras mais elaboradas conseguiram suprir a necessidade que esse corpo tinha de si mesmo. Que só não dá cabo de si por receio de como será visto pelo mundo, mesmo mundo que o matou por dentro.

Quanta loucura, mas loucura maior é viver assim, sem saber quem, o que é e que o será para si.