Sou amante de livrarias e adoro ir sozinho. Posso passar horas olhando todos os tipos de livros, cadernos, canetas, lápis e borrachas. Ok, isso pode até soar um pouco infantil, mas todos nós temos uma criança dentro de nós que nunca morre. A minha criança é um pouco nerd, mas voltando a livraria, após o meu tour, vou para o café, peço um mocaccino com french toast e fico escrevendo no meu computador observando as pessoas. Normalmente minha imaginação voa, minha criatividade flui e minha produtividade chega a nível altíssimos.

          Em uma das minhas tardes literárias conheci Pietro. Não, ele não era italiano, aliás era bem brasileiro mesmo. bem baiano. Sua mãe amava a lingua italiana e foi um processo natural o seu nome ser em italiano. Estava no café saboreando minha french toast e escrevendo, quando ouvi sua voz grossa perguntando se eu me incomodaria de dividir minha mesa com ele. Olhei em volta e o café estava cheio. Respondi que sim imediatamente. Ele me agradeceu e prometeu que não ia me atrapalhar, mas mesmo assim começamos a conversar e tudo fluiu naturalmente. Tudo mesmo. Tínhamos o mesmo senso de humor, o mesmo sarcasmo e a mesma solitude. O que não tínhamos em comum? Ele achava Clarice apenas uma boa escritora e como um bom baiano preferia Jorge Amado. Oi? Como assim? Começamos uma boa discussão e sem me desfazer de Jorge, mostrei a ele a importância de Clarice e deixei-o sem argumentos. Ele discutiu com um clariciano afinal.

          Mesmo eu sendo um clariciano, isso não nos afastou e saímos da livraria direto para um motel. Fazia tanto tempo que eu não ia a um motel. Fizemos um sexo safado, selvagem e ardente. Deitados e exaustos decidimos que seríamos amantes literários. Nos encontraríamos toda quarta feira na livraria, no café e depois iríamos para um motel. Tudo aconteceria entre a livraria e o motel. Nada de cobranças. Nossos encontros sempre duravam até as 22:00 horas, mas se o tesão fosse muito, poderia ir até a madrugada. Era maravilhoso e eu não sentia necessidade em ter outro. E eu não tinha.

          Pietro era intenso em tudo: em suas opiniões, defendendo suas idéias e claro na cama. Eu gostava de provocá-lo para vê-lo falando, às vezes bem perto de mim, tentando me convencer a acreditar em suas teorias. Na cama confesso que algumas vezes, olhando para ele, me perguntava como seria a vida dele que eu não conhecia. Casado? Solteiro? Filhos? Morava sozinho? Mas tinha de respeitar nosso acordo e me calava. Ele não me perguntava nada.

          Depois de quase dois anos de encontros, um dia ele faltou e nunca mais apareceu. Ainda fui três quartas feira e por fim desisti.  Do mesmo jeito que ele surgiu, sumiu. Fiquei apenas com a lembrança dos nossos momentos.  A vida é complexa e nem sempre temos explicações para tudo. Durante meu romance literário, vivia uma fase muito difícil na minha vida pessoal e Pietro foi o meu bálsamo. Após o nosso último encontro as coisas começaram a melhorar e pouco tempo depois tudo se resolveu. Ele sumiu na hora certa e ficou o tempo que precisava ficar. Foi o meu anjo. Espero que esse relato um dia chegue até ele e saiba o quanto foi importante para mim. Soube que uma garrafa de vidro com uma carta de amor que um marinheiro da segunda guerra jogou no mar, foi encontrada cinquenta anos depois, por que não esse relato? O universo é imprevisível e sempre nos surpreende.

José Raimundo Marques
Enviado por José Raimundo Marques em 01/12/2023
Reeditado em 01/12/2023
Código do texto: T7944281
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