Olha aí os vuadô

     Passei no vestibular de Letras, UFMG, 1969, junto com o fiel escudeiro Paulo Miranda. No dia do trote, estava em Pitangui, mas apareci com o cabelo oxigenado na aula inaugural: serviço de minha irmã Kátia. Eu não queria cair na mão de algum veterano ou mesmo calouro vingativo, embora os trotes mais selvagens fossem mesmo os de Medicina e Engenharia. Assim, não toquei no assunto com ninguém. Só sei que a coloração dada por minha irmã foi convincente. Se não agradeci na época, fica aqui o muito obrigado à Kátia.

     Paulo e eu chegamos atrasados à aula inaugural, muita gente já acomodada. Desconfiados, timidez interiorana e sotaque revelador, ficamos pelas beiradas. Parecia que éramos os únicos forasteiros. Muitos se conheciam, batiam altos papos. Eram ex-alunos do Colégio de Aplicação, do Estadual e do Municipal. Belorizontinos de "R" glotal não iam deixar em paz os interioranos de "R" de anzol.

     Ficamos de pé um pouco, estudando o ambiente e marcando as cadeiras vazias. Eu, pelo menos, não queria pedir muita licença. Ainda mais se tivesse que falar "licença, por favorrrr..." Seria a comédia perfeita. Nesse momento, percebi dois rapazes conversando entre si. Eles nos olhavam meio como se nos conhecessem. Será? Vi que cochichavam, coisa boa não podia ser, já não gostei. Um deles cutucou o outro e disse alguma coisa - e isso eu entendi: 

     - "Olha aí us vuadô."

     Foi o Luiz. Confesso que fiquei p.... da vida na hora, mas fingi que não era nada comigo. No final da aula inaugural, trocamos algumas palavrinhas, nós ainda ressabiados. Com o passar do tempo, os dois se tornaram grandes amigos dos "vuadô". Nossos contatos foram retomados com alguns e acelerados com o whats up. 

     Os cochichadores eram Teotônio Marques e Luiz Gonzaga Pereira de Souza. Com o Luiz mantenho uma amizade que se estendeu aos nossos  familiares e provocou vários encontros em lugares diferentes, pois eu vivia mudando. A esses dois, se juntaram Márcio Amorim, Luiz Carlos Serravite e Rômulo de Oliveira. As colegas mais chegadas foram Maria Eugênia, Mariângela, Sônia e Neide. Os encontros em Belo Horizonte estão escasseando, mas volta e meia nos encontramos, nem que seja em petit-comité. 

     Luiz Gonzaga chegou a ir a Pitangui várias vezes. A mais emblemática e inesquecível foi quando nos reunimos num baile na antiga "Boate". Com ele, estava o Rômulo de Oliveira e dançamos "belisquete". "My Sweet Lord", do George Harrisson, arrasava quarteirões. 

     Luiz, afinal, foi um adivinho ao nos apontar daquela maneira: "Olhaí os vuadô". Ao entrar no Itamaraty e viajar pelo mundo, tanto eu quanto o Paulo viramos voadores, olhaí.