A Corrida do Ouro

Certa manhã daquele domingo, dona Helena falou ao Betinho, como era comum se ouvir nas várias casas:

- meu filho, vá procurar o que fazer. Vá estudar pra ser alguém na vida, só queres ficar na rua jogando essa bola.Isso não dá  futuro.

Sem dizer nada,  ele com aquela falta de disciplina, conhecida como preguiça,  comum a adolescente da idade dele, ouviu e como se não tivesse internalizado respondeu pedindo:

- mãe  posso brincar com os meus amigos?...

De pronto ela respondeu já estressada:

- não estou dizendo,  falo, falo. Me mato trabalhando numa escola e ainda nos fins de semana nessa lavagem de roupas pra você dizer isso...vai, vai... vai logo.

E assim como é sabido,  nas periferias da cidade das mangueiras, na rua do Fio, daquele Telégrafo, meninos e meninas, como em vários bairros da grande Belém sem a prática da leitura,  sem o conhecimento adequado da cultura,  como numa onda de rádio,  criavam as suas, naquele teatro chamado rua.

Saindo de casa Betinho deu de cara com os seus parceiros,  que ficavam como urubus no telhado do ver o peso, no palanque da dona Aracy a maquinar,  o que fazer, pra preencher o dia.

Apesar da dona Viturina, com dificuldades pra andar, segurando o seu cajado,  como a profetizar vociferava e a gritar aos quatros ventos  ao seu netinho Serginho, ela alertava:

- Moleque sai daí dessa pantinha,  fica amontoado com esses outros sem fazer nada o dia todo.  Olha que cabeça vazia é oficina do diabo.

Eles no seu estado de deboche, num transe comum a idade,  contrastavam entre rir, fazer pouco e ouvir calado sem nada dizer, pois apesar da flor da idade,  apesar das condições,  em que moravam,  em sua maioria absoluta recebiam em casa, as vezes de maneira bruta,  a boa educação. Então,  quando alguém se excedida,  logo havia outro, que o repreendia dizendo:

- respeita a senhora.

E naquele instante,  após ela seguir ignorada pelo seu neto,  que queria estar ali, eles falavam de diversas coisas, quando não tinham,  a priori nada em mente. 

Começavam o dia encarnando um no outro, como comportamento natural de competição no mundo selvagem, embora estejamos falando de homens.

Hoje seria fazer "buling ", mas ninguém morria,  apesar de afetar profundamente a auto estima. Ali naquele antro, todos perdiam a identidade  e como passarinhos na árvore pipilavam dizendo um ao outro o marajoara  do dia a dia. Falava o Marivaldo:

- ei bobó...

Falava o Juarez:

- ei quatro olho...

Completava o Júnior:

- e aí abano

Dizia o Robertinho:

- ei galo

Respondia o Reis:

- o ovo tá  aqui e morcego vem chegando

Aí falava o Gel:

- ei Pilão  prestastes a atenção no osso.

Calandrine dizia:

- ei curubão, pergunta pro dedo se o siri na lata tem bola.

Rubinho chamava Betinho, que chamava o papagaio,  o rato, o Bada,  o Sergio, o minhoca, o Roberto, Estevam, Tingo, Paulinho,  Marcelo, Vandinho, papa pão, o Saprozoico, o Nato, Rildo e o Serginho,  que já estava lá pra começarem na ponta da Brotinho a inundar a rua, jogando bola, pois só por ali tinha terra firme.

Enquanto que na outra ponta da rua do Fio, após a ponte lá pra São Pedro as meninas que povoavam era  Marilene, Cilene, Shirley, loirinha  Ana,  Ruth, Regina,  Maisa, Alvina,  Katinha,  Vera, Gislaine, Darc seguiam pulando corda, brincando de macaca ou cemitério.

Algumas outras meninas ,  como Raquel e suas irmãs ficavam no palanque de suas casas, inventando brincadeiras ou ajudando na cozinha como tambem podia ser o caso de Francy,  Lica e Julia irmãs do Gel.  Já  outros meninos como Ricardinho,  Guilherme e Augusto flertavam com a profissão do pai inventando carros de lata, pernas de pau e outras coisas na casa da dona Regina.

Após as atividades, cansados de jogar bola uns meninos iam pertubar a dona Adelaide ou o seu Raimundo com o dedo torcido pra por no lugar, já os outroso meninos da ponta da Brotinho se assentavam na batente da venda da dona Maria, mãe do Rubinho , riam e conversavam. Os mais velhos como o Sérgio, filho da dona Oscarina dizia enquanto os mais novos escutavam:

- ouvir falar  que no garimpo da Serra Pelada tem muito ouro e eu vou pra lá.

Outro respondia:

- sim e é facil?...

Outro completava com o brilho nos olhos:

- É  só chegar lá fazer amizade com alguém que conhece a àrea e a gente começa a trabalhar.

- outro entusiasmado dizia:

- como faz pra chegar lá?

As explicações esvoaçavam no ar como um sonho,  de nuvens que formam imagens da imaginação e desaparecem com o vento, sem jamais levam em conta os riscos.

Naquele tempo, sob o som de Belchior, " apenas um rapaz latino americano e Caetano com " Soy loco por ti América", não havia muito tempo pra pensar,  os acessos eram limitados, uma biblioteca, sem muitos livros, pouco incentivo pra ler e as pressões das dificuldades daquela dura realidade no norte fritava como o sol,  as possibilidade reais de sucesso e mais quem se aventurava a buscar sem perspectiva real, qualquer coisa que impulsionasse o futuro ao melhor. Víamos várias mães trabalhando em fábricas de tabaco, de castanha, farmácias , hospital ou vendinhas de comida para criar seus filhos. Quando o pai se fazia presente, era motorista, embarcaticío, marceneiro, pedreiro,

biscaitista, vendedor na feira ou em sua própria casa. A maioria ali tinha bastante filhos e eram assalariados , alguns oriundos do interior e pouquíssimos de outros estados - uns sabiam ler, outros não.

A casa própria ali, naquele gapó já era uma dádiva divina. Assim os filhos passavam a ser o sonho, mudança de realidade.

Sair de Belém,  pra qualquer que fosse o lugar era a ideia de melhora de meninos como o Sérgio, da geração acima daquela, que estava começando.

O contraste do sonho com a realidade discutiam e em conflito deixavam marcas profundas,  que muitos não conseguiam se recuperar.

Na era da discoteca, do início das drogas e das proibições de danças como lambadas e o brega, bem como questionamentos a política, ainda se podia ver  meninos como Reis, Gel, Júnior, Pilão, Rubinho e Robertinho, entre outros no início da noite assentados na soleira da porta com o radinho de Pilha, que o seu Raimundo pai do Reis trouxera de viagem , a ouvir a Rauland, sob a música Ring my Bell e Donna Summer... enquanto,  que os mais agitados começam a traçar ideias pra irem em busca do ouro como solução dos problemas e consequentemente na cabeça deles e de muitos uma realização pessoal em harmonia com a felicidade.

Embarcando no expresso da meia noite,  alguns saíram de casa sem avisar os pais  e seguiram fazendo o seu destino. Bem como outros,  que não quiseram ouvir o apelo ou o sermão da mãe dizendo:

- meu filho não vá pra essa loucura. Você não precisa disso. Estude, que você chegará lá.

No entanto, quando a cabeça não pensa, ou trava no pensar, o corpo padece. Assim como na rua do Fio,  outras ruas do  mesmo estatus , sofreram desse surto do ouro das Serras Peladas, que arrastaram meninos e meninas pra o seu abraço aberto e fechado.

O fato é que uns saíram da caverna em busca do brilho e outros, em busca da luz.

Após vários dias ou meses, saiu na Província,  o jornal local, que o filho da Célia, Jhon vendia,  que na Serra pelada houvera um desabamento,  comum por lá e muitos morreram.

Aquela aventura de alguns amigos nosso trouxe a notícia de uma realidade não analisada antes, mas bastante sentida.

Dizia um:

- bicho lá é  muita loucura...um rouba o outro,  chegam até a matar.  O dono das dragas,  que tem o maquinario explora a gente,  tudo é dele. Tem pistoleiro pra tudo que é lado e muitas casas de prostituição, maconha então é cigarro comum e o valor das coisas lá é o quintoplo do valor daqui. Muitos se não são assassinados, morrem soterrados,  são tomados de febre amarela, doenças venéreas e outras doenças. Não tem luz lá,  só escuridão.

Quando desabou uma parte a gente se ajudou, se não teria sido o fim daquela arte, por ali.

- E o Sérgio?...

Alguém perguntou pro papagaio,  que tambem veio de lá.

Papagaio falou:

- Ninguém sabe dele. Mamãe está muito preocupada. Ele quis ficar lá, mas aquilo não é vida.

E essa foi a última notícia de um dos nossos amigo de infância.

A geração que estava se formando agora,  como Pilão, Juarez, Júnior,  Gel,  Robertinho e outros remanescentes só ouviam.

Era véspera de Natal e eles ocupando a esquina da "Vez é sua", onde a Nádia gostava de ficar tirando o sossego deles, já com certa estatura, gozando de sua inocente adolescência reuniam- se ali próximo ao poste da celpa e lá,  quando alguém passava eles juntos diziam:

- Feliz Natal.

Compreendedo que o verdadeiro ouro, ao sair de qualquer caverna, não era mais do que conservar e nutrir a amizade.