Recordatório

Crescendo, crescendo, me absorvendo.

Sou um retângulo colorido. Sou um passado, sou uma fotografia. Sou uma criança sentada num banquinho vermelho e branco. Lembro dele, desse banquinho, minha irmã tinha um também. Estou sorrindo pra foto, mas ainda sem ser o hoje que eu sou. Ao meu lado, uma mochila do homem-aranha. Não lembrava que gostava tanto, mas agora, pensando, eu tive até um aniversário temático dele. Será que eu queria voar? É tão estranho, consigo quase sentir. Lembro da cor da tinta do quarto, lembro do beliche de metal (eu dormia sempre embaixo, tinha medo de cair), lembro da roupa de cama , tenho uma memória de jogar pinball, (aquele que vinha no windows), jogar até a madrugada por horas, num computador que hoje seria Jurássico, sentado naquele mesmo banquinho.

É difícil escrever, muito. Me pergunto sempre qual a razão dessa necessidade louca de preencher as coisas com contraluz e saudade? Por que tanto olhar e devorar as imagens antigas, voraz e faminto? Acho que ainda tenho medo de cair, mergulhar. E pra sentir um algo estático de novo, contenedor do real, parado, controlável, seguro...Vou até o antes e tento, em vão, tocá-lo, comê-lo. Lembro de novo que te amo, porque toca "sonhos" no fone de ouvido, pauso, em enjôo, instantâneo amargor.

Encontro o outro álbum, o do aniversário do homem aranha. Eu e juba olhamos oblíquos sorrisos retinas, enquanto Wenia, a mais velha, é a única que vê a foto, mira direto. Estão lindas as duas. Que saudade. Um bolo quadrado, um sem fim de azul e vermelho, beijinhos enrolados em papel, um painel de homem-aranha de EVA voa ao fundo. Pro que será que olhávamos antes da luz se planificar e recortar, virar instante ? O que nos chamou antes do clique? Não faço ideia.

Ainda é dolorosíssimo, (tenho certeza que essa palavra não existe), ainda morre e revive. Eu tenho que parar de escrever assim, desviante, mas as palavras são o único amortecer, uma camada cheia delas, de palavras que amolecem o chão do mundo, protegem a moleira do choque.

A foto seguinte é na formatura do ABC. Ju não olha pra foto, mas nem precisa, o cabelo em coque, o azul escuro do vestido com alguns babados nos ombros e frente, o sorriso custando a nascer dos lábios, os olhos grandes, novos e jovens, de princesa e bailarina. Tudo isso congelado. Tudo isso é lindo, e fala sozinho.

Eu tenho um sorriso de janelinha, cabelo-pouco-quase-nenhum. (Agora lembro que não gostava do cabelo curto. Aliás, esse cabelo rendeu o apelido de "pagodinho" pelo meu avô, me chama assim até hoje) Seguro acima da cabeça, uma espécie de troféu-lembrança em acrílico, nele uma foto minha recortada circularmente. Lembro de ser calor, o terno que antes eu usava era grande demais pra mim, tirei. Estou só com um colete e blusa de manga longa. Lembro do flash ser fantasmagoria, clarão, de me pedirem um sorriso, e eu estava mesmo feliz, não foi difícil.

O álbum acaba e se fecha, saio do recordatório, já são quase duas da manhã, tenho sono, tenho medo de dormir e sonhar.