Eu conto, como a curiosidade fez o réu

De tudo o que se pode ou não fazer, o ato ilegal, as vezes vem da curiosidade, apesar da educação rígida, que aqueles anos de chumbo traziam.

Assim numa sexta feira a noitinha, Betinho e Gino se encontraram e conversando Betinho falou ao seu primo:

- guardei uns trocados no meu cofrinho e hoje cedo vi que eu tinha quinze cruzeiros. Como domingo é dia das mães vou comprar algo pra mamãe, lá no São João. Você quer ir comigo?

Sem pensar muito Gino o acompanhou e os dois seguiram caminhando, passando pela feira de Santa Luzia, atravessando a Generalíssimo pra irem aquele supermercado.

Lá os dois começaram a procurar algo, pra mãe de Betinho e passaram pela prateleira dos doces e biscoitos.

Betinho pensando sem dizer a Gino, pensava ele, com seus botões em comprar algo, que não fosse caro pra sobrar dinheiro e ele também comprar pra sua tia, pra que o seu primo a presenteasse.

Quando Gino o surpreendeu com um saquinho aberto, de bombons de chocolate, em moedas de um cruzeiro, dizendo:

- olha, está furado. Come um.

E Betinho repeliu:

- não Gino, deixe lá. Alguém pode ver e pensar que fomos nós, que furamos o saco. Ademais isso é errado.

Rindo Gino deixou o saco sem reclamar. E os dois seguiram a outro corredor, onde havia conjuntos de copos com jara de vidro. Olhando também os preços, fazendo cálculos na cabeça Betinho encontrou o que queria dentro do seu orçamento e pegou dois jogos. Um vermelho pra sua mãe e o outro azul pro seu primo dar a sua tia.

Gino surpreso, abraçou Betinho e disse:

- só podia ser você.

E os dois seguiram pro caixa. Enquanto Betinho feliz com a boa ação colocava na esteira os dois produtos para fazer o pagamento, de súbito chega um senhor com óculos escuro, sério e pondo na esteira um saco com bombons de chocolate, em moedas de um cruzeiro dizendo:

- pague isso, que ele furou e comeu.

Nesse instante a caixa, que em tantas vezes servira o meu tio, em outras compras me pareceu como futura delatora. O fiscal, mais parecia um agente do Dops e todos ao redor mesmo olhando sem entender, pareciam me julgar.

O meu primo, feito Pedro na ocasião do desespero, pálido teve a reação vulgar de evadir-se do local assinando sem confissão a sua culpa e me deixando ali naquela situação.

Como tinha dinheiro, mantive a calma apesar da vergonha e pedir pra ela calcular. E o que eu tinha só dava pra pagar um conjunto de copos e o saco de doces , que até hoje ainda se ver nos tantos atacadões ou supermercados afora pessoas praticando, o erro desse fato como um ato popular do cotidiano.

Ao sair daquele momento, que mais pareceu o meu julgamento como cúmplice, encontrei o meu pobre primo branco e muito nervoso me pedindo desculpas por ter me deixando só naquele constrangimento.

Passei um sermão e disse a ele:

- por causa da tua má atitude, a titia vai ficar sem o presente dela.

Ele pediu desculpas de novo e disse:

- não sei o que me deu, em pegar aquele bombons, apesar de tu ter falado. Errei Betinho, mas estou envergonhado e nunca mais irei fazer.

A noite avançava nas horas, a lua podia ser vista acesa, como nos belos quintais da Bernaldo Couto. Descíamos ladeira abaixo abraçados a rir, após o pânico , como duas crianças que éramos, saindo de uma boa traquinagem.