A RUA DOS OITIZEIROS

Em janeiro chovem oitis na rua em que meus pés meninos pisavam. Nas sombras dos oitizeiros toda uma infância brincava. Soubesse eu que a eternidade das crianças durava menos que a das árvores, amarrar-me-ia em seus troncos, apenas para me atrasar um pouco mais à maturidade. Os anos inocentes deviam durar o tempo das árvores.

Hoje trabalho na mesma rua em que antes brincava. Meu adulto olha o menino que por ali perambula no século passado. Porém, não é pela rua da infância que agora percorro, mas no atravessar pelo canto dos pássaros e no pisar das calçadas amarelas pelos oitis derramados.

Passeio pelos mesmos cantos e novos buracos, como se pedalando bicicletas e me desviando das raízes das árvores que o menino contornava. E, assim, meus dias vão se misturando por entre folhagens em ramos arqueados pelo pesar dos anos. No cimo dos oitizeiros passarinhos se protegem camuflados pelo verde dos minutos pousados, enquanto borboleteiam no céu dos seus sonhos alados.

As casas de antes continuam sendo paisagens, resistindo ao mudar do mundo e dos transeuntes, embora nelas agora morem estranhos residentes, indiferentes aos fantasmas das famílias do ontem, que me povoam os espaços mais salgados da memória.

Por aqui andei, como ando por sobre as pegadas apagadas daquele miúdo garoto que não sabia que, além das fronteiras daquela quadra em que a rua ficava, havia territórios a serem ocupados e cemitérios até então nunca visitados.

Não preciso das madeleines para de mim ser lembrado; já vivo em meu próprio sítio arqueológico de ossos, e nos dias de chuva ou de frio me doem as costelas retiradas. Ao contrário de Proust, não busco o tempo perdido. Vivo dentro do tempo perdido.

Pela rua da infância que ainda percorro, sopram-me aos ouvidos remanescentes sonhos que sobraram da minha anterior imortalidade.

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 05/01/2024
Reeditado em 05/01/2024
Código do texto: T7969472
Classificação de conteúdo: seguro