FITANDO O TEMPO

Olhos perdidos no abismo do vazio, numa fútil tentativa de resgatar vida ou algo que conceda significado. Olhos de azul profundo, emoldurados por uma face desgastada pelas marcas do tempo, um corpo esvaído pelas batalhas de um passado distante.

Em uma mesa, à sombra de uma praia repleta de corpos e almas em busca de prazer e repouso, o ancião espera, ansiando que algum alento traga à tona pensamentos do passado, alimentando a chama de sua existência.

Sua cabeça se move ocasionalmente, quebrando a imobilidade patológica, mesmo que enraizada na psique.

Ao contemplar a expressão de sua figura, uma miríade de conjecturas invade meu ser neste momento.

Com mais de oitenta anos, seus traços delineiam de maneira emblemática sua presença naquela mesa, naquele quiosque, naquela tarde, naquela praia.

Ele é uma inspiração, inadvertido do quanto incita e motiva meu desejo de eternizar este instante.

Dentre todas as pessoas que me rodeiam, este senhor é aquele que mais me intriga, talvez por representar, de forma mais veraz, o desfecho iminente de uma vida em seus capítulos finais.

Um protagonista ciente de que seu desfecho se aproxima, já incapaz de vislumbrar a alegria ao seu redor que possa renovar esperanças para continuar.

Certamente, ele já cumpriu sua missão.

Algum filho, filha, neto ou neta pode tê-lo deixado ali, na mesa, com um copo de guaraná como consolo ou prêmio pela espera forçada.

De repente, um cão late, vendedores ruidosos anunciam seus produtos, mas o velho permanece imóvel, perdido em seu passado de lembranças.

Ao cruzar as pernas, percebo que uma cerveja, sem que eu notasse, substituiu o copo de guaraná em sua mesa.

Seu olhar, intensamente azul, continua desdenhando o pouco valor do tempo presente. Solitário e esquecido, assim o percebo. Em nenhum momento, ele exibe sinal de alegria ou interesse pelas pessoas ao seu redor. Parece entediado, cansado. Nada mais o surpreende. Talvez tenha perdido a fé, a curiosidade e, quiçá, o medo. Nada é mais perigoso do que um homem desprovido de qualquer temor.

O velho, contudo, não pode conceber o impacto que causou em mim. Nem a paisagem deslumbrante nem os outros frequentadores do quiosque conseguem rivalizar com minha atenção voltada para aquele senhor.

Seu chapéu Panamá, por sua vez, enriquece esteticamente a cena.

Certamente, se Van Gogh ou Matisse estivessem aqui, uma obra-prima teria nascido através de uma pintura que retrataria a riqueza exteriorizada pela magnífica figura do velho.

Em um lampejo, imagino se um outro observador teria sido atraído por sua curiosidade ao me ver descrever vividamente aquela cena. Eu, com papel e caneta em mãos, narrando compulsivamente minhas impressões enquanto fitava o ancião navegando pelos mares de suas reminiscências. Tudo isso, em uma manhã ensolarada, em um quiosque à beira-mar, enquanto corpos e espíritos triviais se divertiam.

Mas somente almas sensíveis e fora de série seriam capazes de sentir tal impulso. Alguém com um "algo a mais" – nem melhor, nem pior, mas indubitavelmente diferente.

Marco Bregonci

07/01/2024

MARCO ANTONIO BREGONCI
Enviado por MARCO ANTONIO BREGONCI em 07/01/2024
Código do texto: T7971410
Classificação de conteúdo: seguro