A FORÇA DE UMA SUGESTÃO

O mês era novembro, já passava das onze horas da manhã, o sol estava quase a pico, ardente, como há muitos anos não acontecia. O vento soprava forte, mas quente, e arrastava uma poeira seca que impregnava na pele, nas roupas, deixando uma camada de terra por onde passava.

Naquele lugarejo longínquo, em pleno sertão nordestino, o fórum estava completamente lotado, todos queriam saber como era um júri, pois seria o primeiro. Esse era o assunto mais discutido.

O velho prédio amarelo, desgastado pelo tempo e pela falta de conservação, abrigava o fórum. As paredes descascavam, mostrando o barro seco que parecia se desmanchar mais com a passagem do vento. Apesar de toda a aparente destruição externa, ele continuava a preservar as lembranças de seu passado de glória e poder.

Aquele também, seria o primeiro júri da jovem promotora de justiça, que a pouco havia passado no concurso e sido mandada para a pequena comarca do interior.

Durante dias ela estudou o caso para conseguir a condenação por unanimidade do querelado.

Com apenas vinte e sete anos, cabelos negros como carvão, curto e ondulado que acompanhavam um rosto arredondado e olhos castanhos escuros, cheios de energia, ela se preparava, ansiosa, para mostrar os fatos. Só de pensar que ficaria de frente para todas aquelas pessoas do público e dos jurados, a fazia tremer nas bases e sentir o ar lhe faltar.

Na cidade, cada um tinha a sua opinião sobre o fato. O que realmente aconteceu naquela fazenda? Porque o amigo de infância acabou matando o outro? O assassinato havia sido de propósito ou acidental? Muitas eram as perguntas.

Como era uma cidade pequena e pacata, todos se conheciam, e aquele também seria o primeiro júri do local, logo, a população iria em peso, pois em cantos assim, esse tipo de programação se torna a diversão dos populares.

Apesar do calor intenso e da secura, os bancos estavam abarrotados de curiosos, na ânsia de ver o show. O teto do salão era alto e sem forro, deixando à mostra as grossas vigas que se estendiam de canto a canto do recinto. Uma divisória de madeira separava essa primeira parte, com o público, da segunda parte, onde se encontrava, à direita, as cadeiras dos jurados e, na frente, o púlpito ostentoso onde sentava o magistrado, vestido em sua beca majestosa, e ao seu lado, a acusação, o escrivão e a defesa. Logo à esquerda, com um policial de cada lado, o querelado, um homem nos seus quarenta e poucos anos, de pele queimada e rachada, rugas e um olhar baixo e profundo, com as mãos calejadas do trabalho no solo. E, por fim, o oficial de justiça, que acompanhava cada movimento na sala, tentando organizar tudo para que transcorresse na maior tranquilidade.

Os sete jurados eram compostos de pessoas do povo. Dentre eles, apenas uma mulher, bem caricata, meia idade, cabelos curtos e ficando grisalhos, óculos de tartaruga com as lentes grossas e um vestido azul cobalto, feito apenas para aquela ocasião. O restante dos jurados eram homens de diversas classes sociais, todos acima dos quarenta e cinco anos, representantes leigos, mas querendo mostrar que estavam aptos a resolver o problema. O calor, parecia ficar mais forte, começava a impacientar as pessoas, o suor descia, elas se abanavam como podiam.

Depois da abertura, o juiz, um homem com seus sessenta anos, meio calvo, acima do peso, se manifesta e dá a palavra à promotora de justiça. Esta, apesar do sorriso de confiança no rosto, tremia por dentro com medo de não conseguir relatar os fatos e fazer os jurados compreenderem.

Andou pela sala, em direção aos jurados, com sua veste talar e iniciou a história sobre o triste e trágico ocorrido.

A promotora falou sobre o fato deles serem amigos, e que de acordo com os depoimentos, certo dia a quando a esposa de meia idade, trajando vestido de chita e com um pano amarrado na cabeça, tendo a pele queimada e enrugada, ouviu gritos. Ao chegar ao local, encontrou o seu marido caído e ensanguentado no chão. Neste momento, ela grita, se ajoelha ao lado do moribundo, agarrando-o, balançando-o, chorando e berrando desesperadamente.

O réu havia relatado na delegacia que o vizinho tinha tido um surto e o agredira sem motivo, e para se defender, ele pegou um pau que estava próximo do local, e acabara desferindo sem querer, um golpe mortal no amigo. Tendo corrido para chamar um médico para socorrer o velho e querido amigo.

A mulher do falecido que chorava e tremia, ao lembrar da triste cena de seu marido, próximo a cerca da fazenda, disse que só sabia que o marido e o vizinho estavam discutindo nos últimos tempos sobre a divisão da terra, mas, não havia assistido a nenhum episódio de briga fato.

A promotora enfatiza, que o homicídio não foi sem querer, pois havia sido cruel e fútil. Ela se aproxima do oficial de justiça, fala no ouvido do mesmo, que se retira do recinto, retornando logo depois com um pedaço de pau, como o utilizado no homicídio, e entrega para a promotora, que enquanto faz o relato de como teria ocorrido o crime, vai passando de mão em mão aos jurados, um grosso pedação de pau. E enquanto isso, pede para que cada um, segure aquele pedaço tosco de madeira, e se coloque no lugar da vítima, sentindo cada paulada que a mesma recebeu naquele tenebroso dia, sem conseguir se defender, até ser atingido para o final mortal.

Os jurados indignados, tocavam aquele objeto rudimentar, e imaginavam aquele ocorrido com eles, fazendo que fizessem expressões horrorizadas e indignadas, produzindo em cada um todas as suas mais profundas emoções. Aquele instrumento contundente, fazia tremer quem o tocava. Alguns até chegaram a deixar escorrer lágrimas pela face, que se misturavam com o suor, pelo calor do lugar.

As pessoas que assistiam a tudo, também pensavam e sentiam cada golpe desferido no pobre agricultor. Chocadas, muitas comentavam entre si, toda aquela história, vendo e revendo, cada um dos detalhes cruéis, e sem sentido.

Ao final, os jurados foram para a sala de reuniões, e em menos de trinta minutos, retornaram com o veredito de culpado.

Aquela afirmativa invadiu toda a sala, e recebeu muitas palmas. Vozes que confundiam alegria e tristeza pela tragédia ter tido um final, supostamente, justo e merecido.

O acusado sem reação, foi levado pelos policiais, e a promotora recebeu muitos elogios pelo seu desempenho.

Ela estava emocionada por ter conseguido fazer seu trabalho, pela primeira vez, de forma tão impactante. Não que a prisão daquele homem fosse mesmo resolver algo, nem trazer a vítima dos mortos, mas, parecia que a justiça tinha sido feita. E que ela havia conseguido fazer se compreender com a força da sugestão.

Noélia Alves Nobre
Enviado por Noélia Alves Nobre em 08/01/2024
Código do texto: T7972057
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