VENTO BELÉM

Das minhas centenas de músicas não tinha feito nenhuma que falasse especificamente da minha cidade. Era necessário faze-lo. Afinal, o Dorival Caymmi, que era baiano, já havia feito o “Ita no Norte”, e eu, belenense da gema, nada...

De repente resolvi fazer uma letra aproveitando o gosto que eu tinha pelo jogo de palavras e pelos regionalismos.

Aproveitei e coloquei termos como bujarrona, muito comum entre os velejadores, mas não tão corriqueiro na maioria das pessoas. Já na primeira estrofe depois do refrão, aproveitei os homônimos perfeitos, a vela de canoa, a vela de cera e a vela do verbo velar, pra brincar nas estrofes, juntando tudo em seguida, invertendo as sílabas e dizendo “me leva pro meu Pará”. Ficou bonito, não ficou?

Um fato interessante que quando fiz o verso “travessão na bujarrona” não sabia direito o que quis dizer com travessão. Afinal a bujarrona, como conhecia nas canoas marajoaras mais comuns, era aquela vela menor, triangular, que ficava à frente, só era fixada pelos três vértices do triângulo, não tendo nenhuma travessa de madeira como o nome poderia sugerir. Apalavra surgiu automaticamente como se alguém, ou algo invisível, tivesse soprado nos meus ouvidos.

Fiquei curioso e fui procurar no dicionário. O pai dos burros nas palavras do meu pai. Qual minha surpresa quando encontrei na “infopédia”, no dicionário “Priberam” e em outros dos inúmeros dicionários do google, como um termo náutico:

Travessão: Diz-se do vento contrário e forte.

O termo foi confirmado pelo velejador Isan, o mais recente intérprete dessa música em um show comemorativo dos 30 anos do Clube do Camelo. Dizia ele:

- É isso mesmo, travessão é um vento forte de travez!

Infelizmente o Isan foi levado para o além pela tempestade virótica do Corona que se abateu sobre as velas das canoas de nossas vidas.

Quem não é daqui saiba que geleira é uma canoa que traz o pescado da ilha de Marajó em um porão cheio de gelo quem sabe hoje, nas mais modernas já exista um enorme “feezer” elétrico. Maninha e sumano..., bom isso vocês já aprenderam nas novelas da Globo.

Brinquei também com o canto de sino, com a sina de querer bem, ensinando que a saudade só quem te ama é que tem.

VENTO BELÉM

(Gervásio Cavalcante e Almir Morisson)

Com saudade de alguém

Vou voltar

Só pra rever Belém

Do Pará

Canoa de vela ao vento

Acende a vela de amar

Vela meu sono distante

Me leva pro meu Pará

Travessão na bujarrona

Me lembra quanto estou só

Geleira trazendo o peixe, sumano

Das bandas do Marajó

Com saudade de alguém

Vou voltar

Só pra rever Belém

Do Pará

Sou barco sem timoneiro

Sou maré sem preamar

Sou vento sem calmaria

Só com saudade de lá

Belém que é canto de sino

Que é sina de querer bem

Me ensina que esta saudade, maninha

Só quem te ama é que tem

Com saudade de alguém

Vou voltar

Só pra rever Belém

Do Pará

Que o sopro desta tristeza

Constante no meu sonhar

Enfune a vela azulada

Rumo a Belém do Pará

Na hora de fazer a melodia mandei junto com a letra a musica do refrão ao Gervásio Cavalcante que às vezes me mandava melodias para eu colocar letras e esperei que ele fizesse o resto.

Ficou uma beleza. Se não acreditam escutem:

https://www.youtube.com/watch?v=ITcVLxqUAJc

Entrou até num festival. Conseguimos uma cantora linda - Fernanda Barreto - para interpretá-la, mas não ganhamos nada, só os aplausos do público. Diga-se de passagem, às vezes até mais do que as que abiscoitaram algum prêmio.